Um dos maiores clássicos da parceria João Bosco & Aldir
Blanc é “O Bêbado e a Equilibrista”. Mais do que um clássico, essa músicafoi um hino. Um hino do Brasil na época da
ditadura e da anistia. “Com ela, a música popular soube encarnar como absoluta
perfeição o momento histórico”, já disse Geraldo Carneiro.“Em uma certa hora, aquela música cai na mão
da Elis Regina e ela se apaixona. Quando ela grava, está completamente possuída
por aquela música, já não nos pertence”, disse João Bosco.
joão bosco e aldir branc
Lançada em 1978, a música tem forte teor político. Mas
surgiu, na verdade, como um desejo de João Bosco homenagear Charles Chaplin.
Chaplin tinha morrido no Natal de 1977.“Estava em Minas, naquelas festividades de Natal e Ano Novo, e as
pessoas entrando já no clima carnavalesco. Comecei a querer fazer no violão
algo que ligasse o Chaplin àquele momento musical brasileiro, carnavalesco”,
disse João numa entrevista. “Todos sentiram muito porque ele divertiu muito e
de maneira incomum. Tratando os temas eminentemente humanos e se posicionando
dentro desses temas a favor dos miseráveis, do vagabundo. Mas com uma alegria,
algo invejável, e no final dos filmes havia sempre um horizonte onde você podia
chegar a pensar em um dia viver em um mundo diferente. Não tão desfavorecido
como este”, explicou.“Mas ele fazia de
uma maneira muito bonita. Eu ligava muito o Chaplin ao sorriso, tem uma música
que ele compôs, Smile, que eu acho belíssima, ele também tinha uma inspiração
musical. Comecei a querer fazer no violão algo que ligasse o Chaplin àquele
momento musical brasileiro, carnavalesco, desenvolvendo uma linha a partir do
sorriso dele, a partir de Smile. Se você pegar a linha de “O Bêbado e a
Equilibrista” vai dar no Smile”.
A letra é cheia de referências, a começar pelo próprio Charles
Chaplin. "Caía a tarde feito um viaduto... E um bêbado trajando luto me
lembrou Carlitos...". O viaduto, no caso, era o Paulo de
Frontin, no Rio de Janeiro, que desabou em 1971 deixando 29 mortos. O momento
político do Brasil é lembrado várias vezes, em metáforas ou em menções como
“Choram Marias e Clarisses”. As Marias e Clarices eram as viúvas dos presos
políticos, representadas, na letra, pela Maria, mulher de Manuel Fiel Filho, e
pela Clarisse, de Vladimir Herzog: os dois morreram nos porões do DOI-CODI.
É um “Brasil que sonha... com a volta do irmão do Henfil”, o
sociólogo Herbert de Souza – Betinho – que estava exilado. "O que é bacana nessa música é que ela
não nasceu ligada ao tema", disse Aldir Blanc. "Casualmente, encontrei
o Henfil e o Chico Mário, que só falavam do mano que estava no exílio. O papo
com o Chico e o Henfil me deu um estalo. Cheguei em casa, liguei para o João e
sugeri que criássemos um personagem chapliniano, que, no fundo, deplorasse a
condição dos exilados".
A canção foi um sucesso arrebatador. "A música foi
cantada pela primeira vez, pela Elis, num programa em São Paulo. No dia
seguinte, estava estourando em todo o Brasil e ainda nem tinha sido
gravada", disse Aldir.
'O Bêbado e a Equilibrista' também revela as relações de
amizade de João e Aldir - que, próximos de Henfil -, aproximaram-se mais de Elis.
“Meu primeiro disco gravado, que eu dividi um lado com o Tom Jobim, foi uma
ideia do Pasquim, com produção do Sérgio Ricardo. Então, como o Aldir também
colaborava com o jornal, nós frequentávamos a redação e era comum estarmos com
Henfil, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr... Depois, estreitei mais ainda as
relações com o Henfil em função da aproximação dele com a Elis Regina, que era
uma grande intérprete das nossas canções. E isso tudo gerou “O Bêbado e a
Equilibrista”. É uma canção que celebra toda essa amizade: a minha, do Aldir,
da Elis e do Henfil, com o Brasil", conclui Bosco.