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domingo, 10 de março de 2013

LEITURA DE DOMINGO


Botecos
Luis Fernando Verissimo

Tinha uma mania: colecionava botecos. Não os frequentava, apenas. Era um estudioso. Gostava de descobrir botecos e recomendar para os amigos.

Ultimamente vinha se especializando - um refinamento da sua paixão - no que chamava de botecos asquerosos. Daqueles que nenhum fiscal da Saúde Pública
incomoda porque não passa pela porta sem desmaiar.
Seu rosto se iluminava na frente de um boteco asqueroso recém-descoberto. 
Não resistia e entrava. Depois contava para os amigos.

- Uma glória. Sabe ovo boiando em garrafão com água?
- Repelentes, é?
- As galinhas não os receberiam de volta. A própria mãe!
Descrevia o boteco com carinhoso entusiasmo. 

- E que moscas. Que moscas!
Só não tinha paciência com o falso sórdido. Alguns botecos assumiam suas privações como uma declaração de falta de princípios. Ele preferia o sórdido inconsciente, o sórdido autêntico. Principalmente o sórdido pretensioso.

Uma vez contara, extasiado, uma cena. Terminara de comer uma inominável almôndega, pedira um palito para o dono do boteco e desencadeara uma busca barulhenta e mal-humorada, com o dono procurando por toda a parte e gritando para a mulher:

- Cadê o palito?
Finalmente o dono encontrara o palito, atrás da orelha, e o oferecera. Ele se emocionava só de contar.

Os amigos, sabendo da sua paixão, mantinham-se
atentos para botecos sórdidos que pudessem interessá-lo. Muitos ele já conhecia. 

- Um que tem uma Virgem Maria pintada num espelho com uma barata esmigalhada de tapa-olho? Vou seguido. A cachaça é tão braba que tem bula com contraindicação.

Outro dia lhe trouxeram a notícia do pior dos botecos. Não era um boteco de quinta categoria. Era um boteco de última categoria. Ficava no limite entre a vida inteligente, e a vida orgânica. Ele precisava ir lá verificar. Foi no mesmo dia. Ficou estudando o boteco de longe, antes de se aproximar. Tinha um garoto na porta do boteco. A função do garoto era atacar cachorros sarnentos. Quando passava um cachorro sarnento o garoto o enxotava - para dentro do boteco!

Ele atravessou a rua na direção do boteco com aquele brilho no olhar que tem o pesquisador no limiar da grande revelação, ou o santo antes do doce martírio.

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