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quarta-feira, 29 de maio de 2013

GAÚCHOS

Daí que eu tinha um avô. Ok, todo mundo tem um avô; tem dois, inclusive. Mas eu só conheci um deles, então, é isso: daí que eu tinha um avô.

Ele me ensinou a jogar truco. Ele me ensinou a jogar tava. Me fez pegar gosto pela trova, porque era fã do Gildo de Freitas. E era ele quem me levava nos ensaios do grupo de danças tradicionais do Tio Hito na Sociedade Esportiva Cachoeirinha. E viu minha primeira apresentação na escolinha de danças do CTG Rancho da Saudade. Também foi ele quem me explicou o quê era o ‘cavalo crioulo’, ‘numa das vezes que fomos à Expointer.

Pouco antes de morrer – lá em ’92 – ele ‘tava me ensinando a fazer chimarrão. Ele morreu e eu até hoje não acerto a cevadura de um mate sequer.

Pois eu acabei dançando no Rancho até os 18 anos, aprendi a montar, tive cavalos e varei madrugadas jogando truco. Fui até Primeira Prenda. O quê? Umas quatro vezes?

Só que ele também me apresentou à moda de viola e ao jogo de escova. Ele contava com orgulho e uma certa melancolia sobre a época em que fez treinamento de sobrevivência nas praias de Rio Grande, enquanto aguardava embaraçar pro Rio de Janeiro e de lá ‘pras fileiras de expedicionários na Itália – fossem quais fossem as reais intenções do Presidente Vargas. A II Guerra acabou e ele não foi. Depois, em ’61, ele usava sua ‘expertise’ como sindicalista ‘pra organizar reuniões subversivas e montar uma brigada que estava pronta a pegar em armas tão logo o Governador Brizola ordenasse. Era a Legalidade, e se o estado e o país precisavam, ele estaria lá. Na ponta do lápis, era, sim, um caudilho. Gaúcho bairrista e brasileiro patriota. E nunca trajou bombachas.

E agora?

Agora o presidente do MTG divulga nota à imprensa dizendo que, contrário ao que disse o cantor Luiz Marenco – em vídeo deveras curtido e compartilhado no ‘Feice’, no qual critica a valorização às normas e não aos fatos – o que vale ‘pra cultuar e divulgar o gauchismo são as regras do Movimento. Que elas, sim, as regras, garantem a preservação da cultura e o resgate histórico. Dane-se a tradição oral, dane-se a vivência. Dane-se a realidade.

Dane-se, ainda, o conceito científico de Cultura e de Indústria Cultural, que agregam e valorizam QUALQUER produção ou costume adotado por um grupo. (Desculpem-me os irmãos Ramil, desculpe-me o falecido Lupicínio. Vocês estão fora do escopo de “Cultura Gaúcha” inventado determinado pelo MTG.)

E digo mais: dane-se o Paixão Côrtes – de quem nem sou grande fã, inclusive – também conhecido como ‘O-Cara-Que-Começou-Essa-Coisa-Toda-de-Resgate-Da-Cultura-Gaúcha’. Afinal, em entrevista à ZH, ele mandou o seguinte: "O movimento (tradicionalista) formalizou e limitou. Não expandiu e não está se renovando no conhecimento cultural e histórico. Está estabelecendo regras." (ZH Cultura, 14/12/2012)

Aproveitem e ignorem o (simples) fato do termo gaúcho ter surgido no Prata, como sinônimo de homem valente e bandoleiro, e não nas coxilhas do Rio Grande do Sul, em meio aos seus ‘valorosos’ habitantes.

De minha parte, DANE-SE O MTG! Danem-se os ‘gaúchos de revolução farroupilha’. Não vou abandonar meus scarpins, não vou colocar flor no cabelo ‘pra ser gaúcha'. Vou, sim, continuar batendo pé e exigindo o reconhecimento factual da História, com suas glórias e vergonhas. Bradar a quem possa ouvir que tradição não é um amontoado de papéis, mas um conjunto de valores e convicções. Sem regras. Só com sentimentos.
Irmã

Um comentário:

  1. Esse negócio já está virando palhaçada. Até cultura estão querendo enfiar goela abaixo.

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