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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

A CRÔNICA DO CAJO

GENTES DE BENS

De volta da Pinheira, onde passei duas semanas e tive a alegria de estar com meus amigos. 

Sempre ótimo! Só que – sempre tem um senão – algumas coisas que andei escutando enquanto estava na areia curtindo a beleza do lugar me trouxeram um misto de indignação e tristeza. E tornaram tudo um pouco mais feio. Foram três episódios em dias distintos, mas sempre o mesmo tipo de pessoas que faziam os comentários. Bem instalados em suas barracas se divertindo, conversando, bebendo, fumando, tudo normal, direito de todos. De todos? Parece que pelos comentários não.

Episódio 1: caminhando na areia um casal, ele negro e ela branca e loira. E o comentário de um grupo logo atrás de mim foi “vê se pode, uma loira com esse negão, no que nossa praia tá virando”; e outro veio em cima e disse “no que nosso país tá virando”. 
Episódio 2: no dia seguinte; agora com outro grupo, mas nos mesmos moldes do primeiro. Quando uma rapaziada passa com seus dreadlocks veio o comentário fácil de quem certamente nada entende disso: “aqueles ali não lavam o cabelo há mais de dois anos” (risadas fartas pelo comentário inédito), seguido pela observação de que é a gurizada que acampa lá no Vale da Utopia, entre a Praia de Cima e a do Maço.

Episódio 3: pois em outro dia e mais outro grupo diferente, mas igual, observa a mesma rapaziada e seus dreads passeando nas areias com sacolas se dirigindo para o vale e então o comentário de um bombadão de academia: “bando de maconheiros, nossa praia não é mais a mesma”, e ouvem-se murmúrios de lamentações e mais um comentário: “e gente de bem tem que conviver com isso”.

Bom, vamos por partes. Nossa praia? Exclusividade? Nada diferente pode frequentar os mesmos lugares dessas pessoas, então, pelo que vejo. Eu vou para a Pinheira há quase 30 anos e não me lembro de ter visto vocês por lá alguma vez. Dou o desconto de vocês já estarem frequentando a praia há algum tempo, mas são insignificantes e, por isso, não notados, a não ser quando resolvem comentar aquilo que lhes desagrada. Dentro da lógica da meritocracia da qual certamente vocês são fãs, eu teria muito mais direito de dizer que a praia é minha e amigos meus mais ainda. Mas somos pessoas boas, convivemos com a diversidade e com todos, até com vocês. Qual o problema de um casal não ser o ideal dentro dos seus parâmetros e do que vocês acham que deva ser uma família? Digo isso porque me parece evidente o conservadorismo explícito quando de um comentário preconceituoso. E, bombadão, a gurizada faz uso de uma erva natural enquanto você se dopa com química de laboratório para parecer o cara. E se dizem gente de bem. Acho que não, acho a minha definição mais apropriada. 

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