A CRÔNICA DO CAJO

Ontem, 22 de abril de 2014, a Suprema Corte dos EUA declarou legítima a lei que veta cotas raciais, uma conquista do Movimento dos Direitos Civis da década de 1960 naquele país. Por seis votos a dois, a Corte determinou a constitucionalidade de um referendo que dissolvia tal ação afirmativa, decidindo que a raça não pode ser um fator de admissão nas universidades públicas.

Não quero discutir a questão das cotas e sim a consideração da Corte em determinar que as pessoas são livres no seu voto e que por isso o referendo é legítimo. Então é isso. De repente alguém inventa que pobres não podem mais comer em albergues e nem dormir nos mesmos ou que as municipalidades podem expulsar os mendigos das suas cidades, ou qualquer outra aberração, tudo porque tais ações foram submetidas a referendos e o eleitor é livre para votar em referendos assim. Pode valer tudo então! Em uma sociedade forjada pelas armas tudo é possível. Não entendo dessas coisas, mas me parece que se cria uma jurisprudência nesse sentido, que abre caminho cada vez mais para situações de exclusão, legitimadas pelo chamado voto livre, que, em verdade, reflete estruturas sociais falidas. 

No Brasil, os donos da liberdade estão doidos para emplacar um governo com matizes de exclusão e, pior, com matizes privatistas, ou seja, que limitam a liberdade que tanto preconizam. Você, que aceita tudo isso, já pensou um dia não poder andar para lá e para cá porque os espaços públicos foram privatizados? Antes, você vota a favor de tudo isso, ou porque não pensa direito ou porque não entendeu ou porque acredita nisso ou porque é fdp mesmo e dane-se o resto. Depois se vê embretado. Quer toda a liberdade do mundo mas se sente ultrajado quando um rolezinho ocupa espaços públicos e "impede" o seu ir e vir. Então, apoia uma lei que limita a liberdade dos outros, mas mantém a sua. E conta com uma Corte ideologizada e que gosta de holofotes, mas que esconde suas mazelas e favorecimentos. A que preço tal liberdade, não é?