Páginas

domingo, 25 de maio de 2014

LEITURA DE DOMINGO

 A SOCIEDADE

      Alcântara Machado
— Filha minha não casa com filho de carcamano! 

A esposa do Conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda disse isso e foi brigar com o italiano das batatas. Teresa Rita misturou lágrimas com gemidos e entrou no seu quarto batendo a porta. 

O Conselheiro José Bonifácio limpou as unhas com o palito, suspirou e saiu de casa abotoando o fraque. O esperado grito do cláxon fechou o livro de Henri Ardel e trouxe Teresa Rita do escritório para o terraço. O Lancia passou como quem não quer. Quase parando. A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino. Uiiiiia-uiiiiia! 

Adriano Meli calcou o acelerador. Na primeira esquina fez a curva. Veio voltando. Passou de novo. Continuou. Mais duzentos metros. Outra curva. Sempre na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Pouco antes do número 259-C sabe: uiiiiia-uiiiiia! 

— O que você está fazendo aí no terraço, menina? 

— Então nem tomar um pouco de ar eu posso mais? 

Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pompeando na rua. Vestido de Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.

— Entre já para dentro ou eu falo com seu pai quando ele chegar! 

— Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Deus! 

Adriano Melli passou outras vezes ainda. Estranhou. Desapontou. Tocou para a Avenida Paulista. Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar: Dizem que Cristo nasceu em Belém... Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado furúnculo inflamou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. O namorado ainda mais. 

Os pares dançarinos maxixavam colados. No meio do salão eram um bolo tremelicante. Dentro do círculo palerma de mamãs, moças feitas e moços enjoados. A orquestra preta tonitroava. Alegria de vozes e sons. Palmas contentes prolongaram o maxixe. O banjo é que ritmava os passos. 

— Sua mãe me fez ontem uma desfeita na cidade. 

— Não! 

— Como não? Sim senhora. Virou a cara quando me viu. ...mas a história se enganou! 

As meninas de ancas salientes riam porque os rapazes contavam episódios de farra muito engraçados. O professor da Faculdade de Direito citava Rui Barbosa para um sujeitinho de óculos. Sob a vaia do saxofone: turururu-turururum! 

— Meu pai quer fazer um negócio com o seu. 

— Ah sim? Cristo nasceu na Bahia, meu bem... 

O sujeitinho de óculos começou a recitar Gustave Le Bon mas a destra espalmada do catedrático o engasgou. Alegria de vozes e sons. ...e o baiano criou! 

— Olhe aqui, Bonifácio: se esse carcamano vem pedir a mão da Teresa para o filho, você aponte o olho da rua para ele, compreendeu? 

— Já sei, mulher, já sei.

Nenhum comentário:

Postar um comentário