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domingo, 16 de novembro de 2014

LEITURA DE DOMINGO

A Moça Feia 

                  Chico Anysio
Cada um de nós tem o seu conceito de feiúra e isto é um assunto bastante discutível. Há pessoas que são feias na sua opinião e que na minha não são, assim como muitas a quem eu considero horríveis, vivem cheias de namorados que se encantam com elas. Há ainda a não ser esquecido aquele papo de que "quem come cara é bexiga" e, diante disto, uma mulher não deve ser medida pelo que o rosto promete ou deixa de prometer.

Mas somos obrigados a reconhecer que há as irremediavelmente feias, porque mulheres cujas feiúras são absolutas e nada têm de relativo. Feiúra total. Roberinha nem era assim tão feia, mas parece que ficou combinado que era. É verdade que ela nasceu feia. Contam que o médico que a aparou ao se deparar com a carinha de Roberinha, passou-a para os braços da enfermeira e saiu em desabalada carreira.

Roberinha nasceu no interior e, quando o pai a levou para ser batizada o padre a olhou, examinou bem e disse:

 -Sr. Gonçalves, vamos combinar o seguinte: o senhor leva a menina para casa. Se dentro de três dias ela não latir, o senhor traz de volta que eu batizo.

Roberinha, aos quatro anos vinha com seu pai a cavalo, sentadinha ali junto ao Santo Antonio da sela e uma vizinha convidou o pai para um café.

-Bom dia, Seu Gonçalves. Suba até aqui. Venha tomar um café...

Sr. Gonçalves subiu para a entrada da cozinha, apeou do cavalo e tirou Roberinha de sela, segurando-a no colo. O vizinho, que se aproximava...

-Sua filha ?

-Sim. Roberinha.

 -Bonitinha

E o pai:

-Liga, não, filha. Ele está falando isso só pra te agradar.

Roberinha sempre soube que era feia e, por esta razão, não se aborreceu ou se surpreendeu quando, ao contar a uma autoridade o que sabia de um assalto havido na rua, o homem disse ao policial.

 -Eu vi tudo. Ele assaltou a mulher e depois botou a mulher dentro de um carro e sumiu com ela.

-E como era a mulher ?

 -Feia. Assim como essa mocinha aqui.

A mocinha era Roberinha. Mas depois de casar, ou melhor, depois de ter conseguido casar, Roberinha parou de aceitar esta discriminação. E sua decisão incluía o próprio marido. Assim, quando ela perdeu o avião que a levaria para Roraima e só havia outro no dia seguinte, ao voltar para casa e entrar, dizendo...

 -Perdi o avião.

Na hora em que Cláudio, seu marido, a olhou exclamando feliz por tê-la de volta ao lar:

 -Mas que beleza !

...Roberinha rebateu.

 -Vai pra...

E deu o endereço de um lugar para onde ele ir.

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