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domingo, 22 de setembro de 2013

LEITURA DE DOMINGO

Um Nome Qualquer 

Leon Eliachar
Encontraram-se depois de mais de dez anos:

– Afonso!

– Hermenegildo!

Abraçaram-se três vezes seguidas, como fazem todos os que não se vêem há muito tempo:

– Lembra-se do Rogério?

– Lembro.

– Morreu a semana passada.

– Coitado.

Conversaram a mesma conversa que conversam os que não se vêem há muito tempo:

– Que tens feito?

– Lutando. E você?

– Levando a vida.

Quando deram por si, estavam tomando cafezinho em pé, como fazem sempre os que não se vêem há muito tempo:

– Você está mais gordo.

– E você, mais magro.

Foram andando, parando, relembrando incidentes pitorescos, como fazem todos os que não se vêem há muito tempo:

– E aquele mergulho no rio, atrás do internato, lembra-se?

– Se me lembro, quase você morre afogado.

– E foi você quem me salvou, nunca esqueci.

Pararam num ponto de ônibus pra se despedir, ficaram batendo papo mais de meia-hora, como fazem todos os que não se vêem há muito tempo:

– Você casou?

– Casei. E você?

– Mais ou menos. Estou com uma zinha aí mas ela é casada.

– Você nunca quis nada com o casamento, hein, malandro?

– Com essa até que eu casava.

– Como ela é?

– Baixotinha, gordota, tem um sinalzinho no rosto, mas eu gosto dela assim mesmo.

Afonso ficou apreensivo:

– Como é o nome dela?

– Cláudia.

Afonso ficou mais curioso:

– Ela tem filhos?

– Dois. Um menino de quatro e uma menina de três.

Afonso só faltou pedir o retrato pra ver, mas não teve coragem. Apressou a despedida:

– Bem, tenho de ir andando, estou atrasadíssimo.

Tomou o ônibus, foi direto para casa. No caminho, foi pensando: “Cláudia… dois filhos… um menino de quatro… uma menina de três… baixotinha… gordota… um sinalzinho no rosto…” era muita coincidência. Quando entrou em casa, só faltou arrancar a porta. Lá estava a mulher no meio da sala, com os dois filhos, baixotinha, gordota, com um sorriso na cara deste tamanho:

– Chegou cedo hoje, hein, Afonso?

Ele estava tremendo de ponta a ponta, quando perguntou:

– Diz depressa o nome de um homem.

– Como?

– Depressa, diz um nome de homem. Um nome qualquer.

Ela nem teve tempo de pensar:

– Hermenegildo.

Ele chegou a cambalear, foi preciso segurar no vão da porta:

– Quem diria, hein?

Sua mulher não entendia nada:

– Mas o que foi, Afonso? Está sentindo alguma coisa?

Ele foi categórico:

– Estou sim.

– Está sentindo o quê?

Ele arreganhou os dentes:

– Estou sentindo ódio de mim mesmo, por ter salvo aquele desgraçado. Devia ter deixado ele morrer afogado.

Cláudia caiu de bruços e como caiu, ficou, inteiramente desacordada.

O médico disse que era normal.

Estava esperando o terceiro filho.

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