Páginas

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

MÚSICA NA SEXTA

No início dos anos 1930, Noel Rosa ouviu um samba chamado Lenço no Pescoço, gravado por Silvio Caldas. A canção era uma lavada exaltação à malandragem, com versos como Eu passo gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho de ser tão vadio.

Apesar de várias de suas composições se mostrarem simpáticas aos malandros, resolveu responder ao compositor, o jovem e então desconhecido Wilson Batista. Mas musicalmente. Nascia Rapaz Folgado, em que clama ao autor que compre sapato e gravata e deixe de lado a vida boa. O que poderia parecer apenas um "chega pra lá" a um iniciante tinha, na verdade, outra motivação: o aspirante havia se envolvido com Juraci Correia de Morais, ou Ceci, o maior e mais conturbado amor da vida de Noel.

Wilson, que de besta não tinha nada, viu na polêmica um atalho para o sucesso. Compôs então Mocinho da Vila: Injusto é seu comentário / Fala de malandro quem é otário.

E Noel decidiu dar um basta. Escreveu a definitiva Feitiço da Vila: Lá, em Vila Isabel / Quem é bacharel / Não tem medo de bamba / São Paulo dá café / Minas dá leite / E a Vila Isabel dá samba. Acreditava que assim calaria de vez o adversário. Estava enganado.

O incansável Wilson compôs Conversa Fiada, obrigando Noel a replicar com a desmoralizante Palpite Infeliz: Pra que ligar a quem não sabe / Aonde tem o seu nariz? / Quem é você que não sabe o que diz?

E Wilson perdeu as estribeiras. Emendou a nada sutil Frankenstein da Vila, em alusão ao defeito que Noel tinha no queixo: Entre os feios és o primeiro da fila / Todos reconhecem lá na Vila / Essa indireta é contigo.



Feitiço da Vila
Noel Rosa
  Quem nasce lá na Vila
 Nem sequer vacila
 Ao abraçar o samba
 Que faz dançar os galhos,
 Do arvoredo e faz a lua,
 Nascer mais cedo.
  Lá, em Vila Isabel,
 Quem é bacharel
 Não tem medo de bamba.
 São Paulo dá café,
 Minas dá leite,
 E a Vila Isabel dá samba.
  A vila tem um feitiço sem farofa
 Sem vela e sem vintém
 Que nos faz bem
 Tendo nome de princesa
 Transformou o samba
 Num feitiço descente
 Que prende a gente
 O sol da Vila é triste
 Samba não assiste
 Porque a gente implora:
 "Sol, pelo amor de Deus,
 não vem agora
 que as morenas
 vão logo embora
Eu sei tudo o que faço
 sei por onde passo
 paixao nao me aniquila
 Mas, tenho que dizer,
 modéstia à parte,
 meus senhores,
 Eu sou da Vila!




 Palpite Infeliz
 
 Noel Rosa
 Quem é você que não sabe o que diz?
 Meu Deus do Céu, que palpite infeliz!
 Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,
 Oswaldo Cruz e Matriz
 Que sempre souberam muito bem
 Que a Vila Não quer abafar ninguém,
 Só quer mostrar que faz samba também
  Fazer poema lá na Vila é um brinquedo
 Ao som do samba dança até o arvoredo
 Eu já chamei você pra ver
 Você não viu porque não quis
Quem é você que não sabe o que diz?
 A Vila é uma cidade independente
 Que tira samba mas não quer tirar patente
 Pra que ligar a quem não sabe
 Aonde tem o seu nariz?
 Quem é você que não sabe o que diz?

Nenhum comentário:

Postar um comentário