Fobia de fumante
Paulo GermanoPerderei todos os meus leitores neste exato instante, não será fácil, mas paciência: eu fumo. Pronto.
Agora, além dos riscos de câncer, enfisema, tuberculose, otite, infarto, trombose, diabetes e dente amarelo, ainda preciso conviver com o desprezo do mundo. Primeiro, porque sou burro — estou destruindo a minha própria vida. Segundo, porque sou uma praga social — estou destruindo a vida dos outros.
Como é que a RBS dá espaço para um degenerado, um mau exemplo, um chinelão como esse?
De fato, além dos riscos de câncer, enfisema, tuberculose, otite, infarto, trombose, diabetes e dente amarelo, corro o risco de ser demitido na segunda-feira — isso se eu tiver sorte. Não duvido que um bando de eugenistas me atire em um campo de concentração com outros fumantes sem-vergonha.
Mas justiça seja feita: alguns, talvez, não me odiarão tanto. Vão me chamar de estúpido com aquele jeitinho mais solidário:
— Um moço tão jovem e inteligente, como pode blá-blá-blá.
— Me preocupo com sua saúde, então faça uma força e blá-blá-blá.
Não adiantará eu dizer o óbvio, e não há vitimização nesse óbvio: eu sou doente. O vício em nicotina, a dependência psíquica, essa é uma doença difícil de curar — ao menos tem sido difícil para mim — e, se eu pudesse voltar 20 anos, jamais teria botado o primeiro cigarro na boca, mas botei, até gostei, ainda gosto, mas fumo no meu canto, longe dos outros, saio de perto, me constranjo, e nada disso impede os não fumantes, esses seres superiores que pisoteiam os inferiores, de me apontarem o dedo com sermões exaustivos, invasivos e, acima de tudo, inúteis.
É evidente que errei quando comecei a fumar. Quanto a isso, não há discussão. O que me choca é justamente essa ausência de sensibilidade com o erro, com o pecado — porque, se não há pecado, não há misericórdia, não há piedade, não há compaixão. E Deus me livre de uma sociedade sem compaixão.
A impressão é de que a moral de hoje, com essa gana de corrigir o comportamento alheio, como se ninguém pudesse esbarrar em limitações mentais ou emocionais, bebe muito na inspiração fascista. Verdade que agora é moda falar em fascismo, usa-se "fascista" para atacar qualquer adversário político — assim como usa-se "surreal" para qualquer patetice inusitada —, mas o fascismo é, no fundo, uma filosofia civil, e não um tipo específico de regime ou governo.
O fascismo se manifesta como um agente moral, obstinado em gerar cidadãos melhores por meio da repressão. E o fascista não se considera autoritário, ele se considera um redentor da espécie humana. Ele sempre quer o bem de todos, inclusive o bem de quem ele persegue. Outro argumento fascista é o da praga social:
— Quer se matar sozinho, se mate. Mas não me obrigue a conviver com sua fumaça.
Eu compreendo. É tolerável conviver com a fumaça de indústrias, caminhões, fábricas e chaminés, mas a fumaça de um fumante, não — porque o fumante é um burro que destrói a própria vida e a vida dos outros.
Obrigado aos que me acompanharam até aqui. Sei que hoje perdi todos os meus leitores.
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