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domingo, 14 de junho de 2015

LEITURA DE DOMINGO

OLHA O BUCHEIROOOOO!

                Alcir Chiari
“Passava um pouco das quatro horas da manhã e além do galo do vizinho cantando e anunciando que continuava mandando no galinheiro, também se ouvia a chegada do padeiro com sua charrete.

O barulho das rodas, com raios de madeira e um arco de ferro à sua volta, somado às batidas das ferraduras, fixadas nas quatro patas do cavalo, contra o calçamento de pedra rompiam o silêncio da madrugada.O pão era deixado no parapeito da janela ou na soleira da porta das casas que faziam parte da freguesia.

O mesmo cenário era repetido uma hora depois pelo leiteiro que deixava sua encomenda em garrafas de vidro transparente de boca larga ou comuns de cerveja ou refrigerante.Ninguém tocava ou furtava nada, e no amanhecer, o cliente sonolento e sorrindo pegava suas encomendas agradecido pela prestação de serviços de ambos, que só receberiam pelos mesmos no final do mês.

Mais um dia de trabalho estava começando, e as fábricas anunciavam mais um início de jornada através de seu apito.

As mulheres, normalmente do lar, ficavam a cuidar da casa e dos filhos com a missão de preparar as refeições com tão pouco dinheiro.Gente simples e pobre ficava a espreita da salvação, que chegava próximo das quatro horas da tarde, o bucheiro!
Além do barulho de sua charrete, que lembrava a do padeiro e do leiteiro, ainda tocava sua tradicional e inconfundível corneta e, aos gritos chamava a freguesia:

- Olha o bucheirooooo!

Acompanhando a charrete com o bagageiro de zinco, um cortejo de cães e gatos, atraídos pelo odor e na expectativa que lhes fossem atirados algumas sobras.
O bucheiro vendia miúdos de bovinos e suínos: - fígados, línguas, corações, buchos, rabadas e rins.

A freguesa por sua vez, com poucos centavos e muita exigência, adquiria os miúdos e transformava com criatividade tudo em um verdadeiro banquete.
A vida seguia calma, lenta e feliz.

O tempo passou! O padeiro e o leiteiro não rompem mais o silêncio da madrugada com suas charretes barulhentas, tampouco passa o bucheiro no período da tarde vendendo miúdos baratos.

Desse tempo, sobraram apenas lembranças na memória de quem vivenciou.
A única recordação material está pregada atrás da porta da cozinha para espantar o mau olhado e trazer a boa sorte:

- A ferradura de uma das patas do cavalo do bucheiro!”

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