A missão
Marçal Aquino
Da penumbra, oculto por um pilar, ele observou o homem
atravessar o pátio. Um grandalhão com cara de sádico, armado com um cassetete.
Poderia atacá-lo de surpresa, ele considerou, enquanto o homem se detinha e
espiava ao redor, atento. Mas estava sem sua pistola e resolveu não correr
riscos desnecessários. Preferiu esperar que o vigia terminasse a ronda.
Assim que se desfez no ar o som que o homem produziu, ao
fechar atrás de si uma pesada porta de ferro, ele se moveu. Cruzou o pátio,
aumentando a velocidade e a largura dos passos ao passar pela zona iluminada.
De novo na penumbra, manteve-se imóvel por um tempo, recuperando o controle da
respiração, o coração batendo acelerado. Ele conhecia bem o inimigo, sabia o
que o aguardava se fosse apanhado. Mas isso não aconteceria. E o medo não iria
impedi-lo de cumprir sua missão.
Um cachorro latiu em algum lugar ali perto. Ele aguçou os
ouvidos, prendeu a respiração. E esperou. Nada aconteceu. O pátio continuou
deserto e silencioso, azulado pela luz da lua.
A arma fazia falta, ele pensou. Com ela na mão, estaria mais
confiante. Mas profissionais como ele eram preparados para lidar com situações
adversas. Então deixou a penumbra e começou a galgar a calha, apoiando-se nas
emendas. Cada movimento desprendia um ruído preocupante da estrutura de metal.
Se a calha cedesse ao seu peso, ele olhou para baixo, seria uma queda e tanto.
Foi nesse momento que escutou o barulho da chave na porta de ferro. E, com um
arranque que fez ranger a calha inteira, alcançou a mureta e passou ao segundo
piso.
Ali, permaneceu agachado, de olho no pátio. O som da calha
ainda retinia em seu ouvido quando o grandalhão surgiu na área iluminada. Por
um segundo, teve a impressão de que o homem olhou em sua direção e isso ó
deixou tenso, com os músculos retesados. Mas o vigia parecia despreocupado:
assobiava e batia o cassetete na palma da mão enquanto fazia o trajeto até o
lado oposto do pátio.
Ele se levantou e passou a um corredor comprido, fracamente
iluminado. Andava com cautela, pisando em silêncio, como um gato — fora
treinado para isso. Até que, no final do corredor, uma porta trancada o deteve.
Poderia arrombá-la com o ombro, mas na certa seria denunciado pelo barulho. Por
isso, abaixou-se e forçou a maçaneta várias vezes, sem nenhum resultado
prático. Então o som de passos às suas costas fez com que se erguesse como uma
mola. Os dois homens se aproximavam devagar, obstruindo o corredor com seus
corpos musculosos:
"Olha só o que temos aqui", disse um deles.
Aquele era o momento crítico de sua missão, e ele estava sem
sua arma. Mas tivera muito trabalho para chegar até ali e não podia se render
sem luta. Percebendo que ele se colocava em guarda, o homem à sua esquerda
abriu os braços:
"Calma, ninguém precisa se machucar aqui".
Foi esse homem que ele atingiu de raspão com um soco,
enquanto o outro o agarrava e ambos rolavam pelo chão. Ele esperneou, chutou e
até mordeu um dos homens, mas acabou subjugado numa gravata tão apertada que o
fez perder os sentidos.
Quando acordou, ele se sentia atordoado, com a boca pastosa.
No interrogatório, do qual lembrava apenas detalhes imprecisos, tinham usado
drogas para fazê-lo falar. Mas ele estava. certo de que não revelara nada, fora
treinado para resistir até ao soro da verdade.
A mulher que entrou no quarto nesse momento era jovem e
bonita e sorriu para ele de um jeito amistoso.
"Está tudo bem com você?”
A voz soava macia, os gestos, calmos. O inimigo mudava de
tática e agora tentava seduzi-lo. Ele se levantou da cama e cambaleou até a
janela.
"Você vai acabar se machucando de verdade", a
mulher disse.
E apontou a pilha de livros sobre o criado-mudo. Livros
baratos, de papel ordinário.
“Seria melhor você parar de ler essas, porcarias, estão
piorando a sua cabeça.”
Por entre as grades da janela, ele viu o pátio cercado por
muros altos. E ficou em dúvida por um instante. Só um instante. Ela ainda falou
que aquelas tentativas de fuga atrapalhavam o tratamento. Mas ele sabia que o
inimigo tentava confundi-lo. Queriam que ele ficasse em dúvida sobre quem era e
o que estava fazendo ali.
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