Em maio do ano passado, um aplicativo para celulares e tablets da campanha de Mitt Romney, candidato a presidente dos Estados Unidos, se tornou famoso pelos motivos errados: o aplicativo trazia um erro de digitação bobo, mas grave o suficiente para chamar a atenção de todos os internautas. A palavra “America” aparecia como “Amercia”, com o “i” e o “c” trocados.
Romney, como muitas pessoas e empresas, precisa de um revisor de textos; mas como muitos, ele também parece estar trabalhando sem um. Há uma certa ironia aqui: em abril, Romney fez
um discurso para a American Society of New Editors e disse: “Francamente, em algumas partes da nova mídia, sinto a falta da presença de editores para exercer controle de qualidade”.
Não foi tão diferente em terras tupiniquins com a campanha eleitoral de 2012.
Erros de português nas legendas durante a exibição do primeiro programa da propaganda eleitoral gratuita do PSDB, na terça-feira, 21 de agosto de 2012, com candidatos a vereador em Porto Alegre, causaram constrangimento no candidato a prefeito da capital gaúcha pelo partido, Wambert di Lorenzo. Palavras como “pulitica”, “trofel”, “concurço”, “pesoas”, “incrição”, “pesso” [do verbo “pedir”] e “insenta” foram ao ar.
Segundo Heron Domingues, diretor proprietário da empresa produtora da campanha, “as gravações foram feitas no fim de semana, e na terça (21) teriam de estar prontas. O processo demorou, a equipe estava sobrecarregada. No final, a legenda, que é obrigatória, foi feita por uma pessoa que não é responsável pela função. O material acabou não passando por revisão, foi um acidente que não poderá se repetir. Vamos procurar agregar mais gente ao processo”. Segundo o diretor proprietário, a produtora segue com a propaganda eleitoral do PSDB. “Quando acontece algo desse tipo, não acho que alguém deva ser culpado, é um todo”.
Não pretendo apontar aqui os diversos erros de ortografia e de (falta de) revisão, sejam trágicos ou cômicos – ou ambos – em portais, sites ou mesmo nas plataformas tradicionais. Vamos diretamente ao problema principal: qual é a lógica por trás da ideia de que revisores são dispensáveis? Redações de jornais/portais online e agências de publicidade, especialmente as menores ou as que trabalham com conteúdo majoritariamente digital, dispensam revisores com a ideia de economizar.
Outra ideia é a de que o material online, por sua característica interativa, tanto entre o redator e o texto quanto entre o leitor e o texto, permite a revisão a posteriori, ou de outra forma, depois que o erro está no ar. Alguns portais inclusive adotam a ideia de que o leitor pode ou deve exercer o papel de “controle de qualidade” disponibilizando um botão acima das matérias em que o leitor pode clicar e enviar reclamações sobre erros gramaticais/linguísticos e informações erradas.
Outro problema na imprensa nacional é que as informações erradas parecem ser algo corriqueiro e banal. O termo
fact checker, desconhecido de muitos profissionais da área de jornalismo (tanto o conceito/termo quanto a função profissional), não possui nem mesmo um artigo em português na Wikipédia, e uma busca no Google retorna grande parte dos resultados de páginas em inglês.
Aqui eu coloco o ponto mais importante dessa análise: nessa mídia mais interativa, especialmente na digital, há também um grande empenho para atrair a atenção do leitor. Podemos ver esse empenho em promoções no Facebook, na enorme preocupação em como e por quais meios atingir o leitor, vemos o enorme crescimento de apps para celulares e tablets, discussões sobre cobrança por conteúdo ou reivindicação por conteúdo livre; tudo isso tendo em vista a atenção do leitor. Mas até que ponto isso é interessante e dá resultados?
O desinteresse do leitor
O que se discute sobre o desinteresse do leitor? O que pode levar um leitor a se desinteressar de ler um texto ou de curtir aquela página do Facebook tão bem-planejada?
Podem existir diversos fatores: péssimo conteúdo, conteúdo que não atrai certos nichos (identificação junto ao público), estratégias mal-planejadas, etc. Mas um dos fatores que podemos colocar entre os primeiros lugares da lista são os erros de linguagem, principalmente. Qualquer pessoa que já tenha lido um livro sem uma boa revisão sabe o quão irritante é interromper a leitura para compreender aquela palavra grafada errada, tentar entender aquela frase ambígua ou sem coesão, ver se ali falta uma vírgula ou não…
Isso quando se trata apenas de texto. E aquele banner de uma promoção no Facebook sem a data do sorteio? Você deve retirar o prêmio na loja ou ele será entregue em casa? Até analisar isso tudo, já desistimos de participar da promoção. E aquele tuíte que não passa pela assessoria (ou até passa, mas não passa pela revisão), fica ambíguo ou até mesmo chulo e é retuitado infinitamente com variações, piadas e chacotas? Não bastasse isso, outra coisa frustrante é ler uma notícia cujo texto diz “Veja na imagem abaixo” e perceber que não há imagem alguma sobre o assunto abordado.
Esses são apenas alguns exemplos que servem para mostrar que, mais que se preocupar em como atrair o leitor, a preocupação com o desinteresse do leitor pelo texto pode também trazer grandes prejuízos.
Um estudo recente da American Copy Editors Society (ACES) mostra algumas relações entre o interesse/desinteresse do leitor e a qualidade de um texto, incluindo aí os fatores positivos (factualidade/informação consistente, coesão e organização do texto) e os fatores negativos, ou seja, aqueles que podem levar o leitor a abandonar um texto pela metade ou nem chegar a lê-lo (coisas como inveracidade, falta de coesão, incoerência, texto mal-organizado ou cujas informações não são bem-distribuídas ao longo dele).
Um dos resultados do estudo aponta que as percepções de valor estão em sua maior parte associadas com melhorias na percepção profissional de um texto. A revisão ou o copidesque podem fazer um texto ficar mais bem-escrito e organizado, mas é a sensação de profissionalismo resultante disso que faz o leitor pensar que vale a pena pagar por “histórias como essa”.
Ou seja, trata-se da velha história de que o leitor se sente enganado ao pagar por um conteúdo que se apresenta como profissional, mas que acaba parecendo ter sido feito por um amador. A agravante aqui é que na internet, com conteúdo livre, o leitor se sente dessa forma mesmo quando não paga pelo conteúdo.
Merrill Perlman, presidente da
Merrill Perlman Consulting, recentemente escreveu um artigo para o portal online da CNN sobre o erro do aplicativo móvel da campanha de Romney e disse que “sites e portais de notícias estão cada vez mais dispensando revisores”. Ela cita também que um site especializado em fofoca de celebridades tinha um revisor, mas ele acabou sendo demitido com a justificativa de que seu trabalho “só atrasava tudo”.
Merrill também critica uma moda, praticamente um senso-comum na era da informação rápida e instantânea: quem no mundo iria perceber ou reclamar se aquela notícia sobre o implante de silicone da atriz e o formato “
dos seisseios” fosse para o ar um minuto mais tarde porque o revisor teve de corrigir para “
seus seios”?
Outro senso-comum é de que leitores não ligam muito para erros de digitação ou erros de ortografia e da língua em geral. Mas se isso realmente é verdade, por que há tanta ridicularização em torno desses mesmos erros? O leitor obviamente iria rir ou chorar ao ver que a atriz tem “seis seios”, mas dificilmente reclamaria pelo fato da notícia ter ido ao ar um ou dois minutos mais tarde que em outro portal de notícias.
Poderíamos talvez até falar de uma “
exclusão da ilicitude” ou de um “princípio da relevância”: se a notícia for sobre um alerta de tsunami ou algo parecido, podemos relevar o fato de que ela tenha sido publicada com alguns erros gramaticais. Mas vejamos bem: mesmo aqui, entretanto, não podemos relevar um erro de geografia, o que poderia ser fatal para milhares de pessoas.
Uma prova disso, de que o leitor comum não leva tanto em consideração o “atraso da notícia”, é que uma pesquisa rápida no Twitter não mostra nenhum resultado para “notícia atrasada” (no sentido de que o portal demorou a noticiar certo fato), “demorando a divulgar a notícia” ou coisas do tipo, mas quase todos os dias há tuítes com frases como “
Cadê o revisor?”, “Vocês não têm revisor?” ou “Contratem um revisor!”.
A internet
O estudo da ACES também mostrou que a internet em geral – excluindo aqui sites de canais de TV ou portais de jornalismo – é a principal fonte de informação e notícias para a maioria das pessoas (57%) que participou da pesquisa. O estudo também mostrou indicadores recentes de que inovações como smartphones e tablets, bem como seus aplicativos, terão a função de complementar, mais do que substituir, os meios tradicionais de divulgação de informação.
Com a internet, outra subversão lógica que acomete muitas pessoas é o fato de pensar que é vantajoso termos essa excelente possibilidade de corrigir um erro rapidamente, quase que instantaneamente, em detrimento de corrigir um texto antes de publicá-lo. Sim, é uma grande vantagem, mas não seria melhor não cometer o erro antes de tudo?
Você consegue imaginar outro setor comercial ou de serviços cujo controle de qualidade funcione com base em “bem, vamos vender isso ao público e ver se eles reclamam. Se reclamarem, aí depois consertamos”? Se outro setor produzisse qualquer produto com base nessa lógica, ele fecharia as portas em questão de dias devido à quantidade de processos.
Revisores são o controle de qualidade. Deixe que eles façam seu trabalho e fique com sua consciência mais tranquila e sua imagem mais limpa – perante seus leitores e perante seus clientes.