Não gosto muito de falar de comida aqui no TOA. Falar de
comida é falar de convicções, lembranças e princípios. Não falo da comida como
item nutricional, indispensável à vida. Nem da fome do mundo. Falo da comida
como valor cultural de um sujeito ou de um grupo. Falo do refogado de cenoura que
o sujeito comia na casa da tia Cotinha toda quarta feira quando voltava da aula
de reforço de matemática e era servido em diagonal ao arroz e com um copo de Pepsi.
Falo do ensopado que alguma tribo faz com folhas e raízes de alguma planta e é
tomado a cada equinócio simbolizando alguma coisa.
Tenho respeito por toda culinária regional, embora goste muito
pouco de todas elas. Minha ração é extremamente restrita. E confesso que sou
feliz assim. Sempre que penso em experimentar alguma coisa diferente, durante o
preparo fico pensando que posso reproduzir a mesma receita, porém, do meu jeito.
Ou seja, quero comer a mesma coisa que já estou acostumado a comer. Se der pra colocar
queijo derretido, tomate e orégano por cima, tanto melhor. Experimente isso no
carreteiro, por exemplo. Fica fantástico.
Mas tem uma comida que anda me rondando: o Quibe (com
maiúscula). Em especial o Quibe cru. Poderia ser carpaccio, tartar ou qualquer carne que se consuma crua. Mas é o
quibe que anda me assombrando. E andam me ameaçando com jantas regadas a rodízios
de quibes crus.
Como já disse, respeito todas culinárias regionais. Ora
bolas, respeito tudo, até quem gosta de Led Zeppelin. E sei que muitas vezes
não se está comendo a carne crua, mas sim celebrando a dificuldade dos nossos
velhos nos antigos e duros tempos.
Mas, de minha parte, gosto de celebrar a dificuldade dos
nossos velhos nos antigos e duros tempos honrando seus avanços, descobertas e
conquistas. Como o fogo e o acesso fácil a ele. Como a chaminé, pra não
perturbar os vizinhos, e o guardanapo de papel, pra depois não se despedir da
anfitriã com a boca engordurada.
Acho que comer carne crua é uma ingratidão com a civilidade e o
engenho humano. Se um dia eu for convidado pra um evento pra comer quibe cru e
me pedirem pra levar um vinho, eu vou levar um cacho de uvas.
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