Charles Bukowski
Todas as rotinas tinham armadilhas e apenas os carteiros
regulares as conheciam. Todo o dia era a mesma merda, e você precisava estar
preparado para um estupro, um assassinato, cães ou algum tipo de insanidade. Os
regulares não revelavam seus segredinhos. Era a única vantagem que tinham – exceto
saberem seus itinerários de cor. Era de matar para um novato, principalmente
que bebia a noite inteira, ia para a cama às duas, levantava as quatro e meia
depois de trepar e cantar a noite toda, e quase conseguindo sair ileso de tudo
isso.
Um dia eu andava pela rua e o percurso corria bem, embora
fosse uma rota nova, e pensei, Jesus Cristo, seja a primeira vez em dois anos
que terei tempo para almoçar.
Eu sofria de uma ressaca horrível, mas mesmo assim tudo ia
bem até chegar um bolo de cartas endereçadas a uma igreja. O endereço não tinha
número, apenas o nome da igreja e do bulevar que ficava em frente. Subi,
mareado, as escadas. Não encontrei a caixa de correio não havia ninguém por
ali. Algumas velas ardiam. Pequenas bacias para mergulhar os dedos. E um
púlpito vazio a me encarar, e todas as estátuas, de um vermelho pálido, azuis,
amarelas, as aberturas fechadas, uma manhã fodida de calor.
Jesus Cristo, pensei.
E fui embora.
Dei a volta pela lateral da igreja e topei com uma escada
que descia. Atravessei um porta aberta. Você sabe o que eu vi? Uma fila de
banheiros. E chuveiros. Mas estava escuro. Todas as luzes apagadas. Como,
diabos, esperam que um homem encontre uma caixa de correspondência no escuro?
Então avistei o comutador. Apertei a chave e as luzes da igreja se ascenderam,
dentro e fora. Avancei até a sala seguinte e havia batinas de padres estendidas
numa mesa. Havia também um garrafa de vinho.
Pelo o amor de Deus, pensei, quem no mundo senão eu seria
pego numa cena como essa?
Agarrei a garrafa de vinho, dei um bom gole, deixei as
cartas sobre as batinas e voltei a passar pelos chuveiros e banheiros. Apaguei
as luzes, dei uma boa cagada no escuro e fumei um cigarro. Pensei em tomar uma
chuveirada, mas podia enxergar as manchetes: CARTEIRO É FLAGRADO BEBENDO O
SANGUE DE CRISTO E TOMANDO BANHO NU NUMA IGREJA CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA.
Então, finalmente, não sobrou tempo para almoçar e quando
voltei Jonstone me pôs no relatório por estar vinte e três minutos fora do
horário programado.
Mais tarde descobri que a correspondência da igreja devia
ser entregue na casa paroquial da esquina. Mas agora, claro, já sabia onde dar
uma cagada e tomar um banho quando estivesse na pior.
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