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domingo, 23 de junho de 2013

LEITURA DE DOMINGO

COISA DE MOLEQUES 


             Ronaldo Bôscoli
Para falar sobre trote "produzido", é preciso pedir licença a Ícaro de Aguiar, talvez o maior trotista que o mundo já viu. Conseguiu passar trote até em membros da família imperial brasileira, como D. Pedro e D. João, que, a exemplo dele, moravam em Petrópolis. 

Ícaro lia a coluna social dos jornais para ficar informado dos acontecimentos sociais. Ia, então, para o telefone e marcava, desmarcava, transferia e adiava jantares, festas, recepções, vernissages, o diabo. Era a maior confusão em Petrópolis. 

Uma vez, descobriu que um comitê de padres, em visita ao Rio de Janeiro, queria conhecer Petrópolis. Descobriu o telefone da diocese em que os padres estavam hospedados e os convidou, em nome de D. Pedro, a conhecer o palácio imperial no domingo seguinte. Em seguida, telefonou para D. Pedro, dizendo-se porta-voz da diocese, e pedindo uma visita ao palácio de Petrópolis, um palácio, aliás, bem engraçadinho. D. Pedro ficou puto, ninguém entendia nada, pois um havia convidado o outro e ninguém havia, efetivamente, convidado ninguém. Fomos com Ícaro para a porta do palácio, especialmente para curtir a chegada dos padres. Foi aquele mal-estar. Impagável! 

No que diz respeito particularmente a mim, participei da produção de um trote que é candidato forte ao título de maior de todos os tempos. Ibrahim Sued anunciou, com grande pompa, o casamento de Guido Maciel, dono de um dos mais ricos cartórios do Rio de Janeiro, sócio de Márcio Braga — que, diga-se de passagem, nunca foi bobo — com uma moça que havia sido miss e capa de tudo quanto era revista e se chamava Ângela Catrambi, hoje senhora de um grande médico, Dr. Álvaro Pinheiro Guimarães. Ia ser um dos grandes acontecimentos sociais do ano, com um coquetel ao ar livre, nos gramados da casa, para quinhentas pessoas, com um bufê enorme e champanhe francês rolando para todo mundo. A casa era uma mansão cinematográfica, ao lado do Itanhangá Golf Club, e todos os grã-finos da cidade foram convidados. Parecia festa de paulista, embora fosse no Rio. 

— Vamos fazer uma produção — sugeri a Manuel Gusmão e à mulher dele, a Cida, que era craque em passar trote e, animada, assumiu a execução da operação. 

Lembrei que a Eliana Pittman era muito vaidosa. A mãe dela, a Ofélia, mais vaidosa ainda; portanto, seria fácil fazê-las aparecer no casamento sem convite. Cida ligou para a casa delas, Ofélia atendeu, e explicou-se que o Guido Maciel era um grande admirador da cantora Eliana Pittman, um fã, e gostaria que ela fizesse um show no casamento, uma coisa diferente. Imaginem: casamento com show! A Ofélia não era boba, bem que desconfiou, mas tinha lido a notícia no jornal e ficou logo de olho grande... coluna social era com ela mesma. Pediu um tempo para dar a resposta. Ficamos, então de ligar depois, para confirmar ou não. Em seguida, Cida ligou para a casa do Guido Maciel e mandou chamar a mãe de Ângela Catrambi, uma típica mãe de miss que, mais feliz do que pinto no lixo, estava eufórica com o casamento da filha com um homem tão rico e poderoso. Iria descontar uma promissória. 

— A senhora é a mãe da Ângela? Minha filha, Eliana Pittman, gostaria de, humildemente, prestar uma homenagem aos noivos, dar um abraço na Ângela — explicou Cida, fazendo-se passar por Ofélia. 

A orgulhosa senhora conhecia Eliana de nome, achou a oferta muito natural e aceitou logo. 

— Que beleza a Eliana Pittman cantando no casamento! Podem vir. Em seguida, avisou à filha, que, numa euforia total, também gostou da ideia. Era um duelo de titãs. Duas mães de miss no mesmo jogo, só podia dar empate. 

Cida ligou novamente para Ofélia, que continuou a colocar obstáculos: 

— Não sei, assim de repente... Temos de localizar os músicos, o problema do cachê... 

— Por favor, não me fale em cachê — ofendeu-se Cida, no papel de mãe da noiva. — Cachê não tem problema. Que tal trinta mil? 

Era uma nota preta. Os olhos de Ofélia devem ter revirado dentro das órbitas. Ir a uma festança dessas e ainda por cima ganhar essa nota! Era demais. Topou voando. 

— E com que roupa a Eliana deve ir? — quis saber Ofélia. 

— Naturalmente, uma roupa bem chamativa, bem Broadway. 

— Tudo bem. Eliana gosta de se apresentar assim. 

— Então estamos combinadas. 

Dá pra imaginar o espanto na entrada triunfal de Eliana, toda emperetecada, e, depois, a confusão na hora de receber o cachê? Simplesmente inenarrável, caro leitor.

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