ANDANDO COM TOM
Chico Buarque
Eu era um garoto que, como os outros, amava a Bossa Nova e o Tom Jobim. Queria ser um compositor igual ao Tom Jobim. Não gostava mais das canções desesperadas. Só queria aquela música que era toda enxuta, porque derramada para dentro. Queria tocar piano igual ao Tom Jobim. Como nada me saísse direito, eu disse "este piano é uma droga" e fugi de casa. Queria contar histórias igual ao Tom Jobim. Fui dar na casa de Tom Jobim em Ipanema. Aloysio de Oliveira me apresentou a ele e eu mostrei meu samba no violão. Tom olhou. Noutro dia, inventou um acorde para o meu samba, ficou repetindo o acorde dele e dizendo "você é um craque". Quando o Tom entra com um acorde dele, parece que abriram a janela.
Foi para Nova Iorque, gravou com Sinatra e o pessoal disse "poxa". Voltou porque sentiu saudade dos chatos. Se mudou para o Leblon, mas continuou no bar de Ipanema. Me deu parceria, um pouco para se vingar de Vinícius, que estava saindo muito com Baden e Edu. Nossa Sabiá foi vaiada no Maracanãzinho e ele chorou um pouquinho no túnel Rebouças.
Me telefonou de Londres para Roma, preocupado com a poluição do ar. Desligou 50 minutos depois. Me acordou de madrugada porque se lembrou que a poluição no ar também é coisa grave. Esteve comigo em Roma, mas não gostou da cerveja. De volta ao Rio, passeamos bastante. Bebemos uísque no Antonio's, no Luna Bar, na sauna, no Canecão, depusemos juntos no Dops.
Vi Águas de Março sendo rabiscada. Às vezes, acho que é o samba mais bonito do mundo. Me deu dois dicionários de espanhol, um de inglês, me emprestou The wast land em italiano, me releu Drummond, me emprestou seu feiticeiro, me ensinou arquitetura. Gostava do meu pai. Me falou do seu pai e um dia me levou para a sua sessão de análise, mas isso foi muito antes. Me ajudou a comprar um piano e me explicou que eu não levo jeito para pianista.
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