A Moça Feia
Chico Anysio
Cada um de nós tem o seu conceito de feiúra e isto é um assunto bastante discutível. Há pessoas que são feias na sua opinião e que na minha não são, assim como muitas a quem eu considero horríveis, vivem cheias de namorados que se encantam com elas. Há ainda a não ser esquecido aquele papo de que "quem come cara é bexiga" e, diante disto, uma mulher não deve ser medida pelo que o rosto promete ou deixa de prometer.
Mas somos obrigados a reconhecer que há as irremediavelmente feias, porque mulheres cujas feiúras são absolutas e nada têm de relativo. Feiúra total. Roberinha nem era assim tão feia, mas parece que ficou combinado que era. É verdade que ela nasceu feia. Contam que o médico que a aparou ao se deparar com a carinha de Roberinha, passou-a para os braços da enfermeira e saiu em desabalada carreira.
Roberinha nasceu no interior e, quando o pai a levou para ser batizada o padre a olhou, examinou bem e disse:
-Sr. Gonçalves, vamos combinar o seguinte: o senhor leva a menina para casa. Se dentro de três dias ela não latir, o senhor traz de volta que eu batizo.
Roberinha, aos quatro anos vinha com seu pai a cavalo, sentadinha ali junto ao Santo Antonio da sela e uma vizinha convidou o pai para um café.
-Bom dia, Seu Gonçalves. Suba até aqui. Venha tomar um café...
Sr. Gonçalves subiu para a entrada da cozinha, apeou do cavalo e tirou Roberinha de sela, segurando-a no colo. O vizinho, que se aproximava...
-Sua filha ?
-Sim. Roberinha.
-Bonitinha
E o pai:
-Liga, não, filha. Ele está falando isso só pra te agradar.
Roberinha sempre soube que era feia e, por esta razão, não se aborreceu ou se surpreendeu quando, ao contar a uma autoridade o que sabia de um assalto havido na rua, o homem disse ao policial.
-Eu vi tudo. Ele assaltou a mulher e depois botou a mulher dentro de um carro e sumiu com ela.
-E como era a mulher ?
-Feia. Assim como essa mocinha aqui.
A mocinha era Roberinha. Mas depois de casar, ou melhor, depois de ter conseguido casar, Roberinha parou de aceitar esta discriminação. E sua decisão incluía o próprio marido. Assim, quando ela perdeu o avião que a levaria para Roraima e só havia outro no dia seguinte, ao voltar para casa e entrar, dizendo...
-Perdi o avião.
Na hora em que Cláudio, seu marido, a olhou exclamando feliz por tê-la de volta ao lar:
-Mas que beleza !
...Roberinha rebateu.
-Vai pra...
E deu o endereço de um lugar para onde ele ir.
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