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domingo, 30 de novembro de 2014

LEITURA DE DOMINGO

O Desbunde

             Adélia Prado
Tinha, como direi, eu, que sou uma senhora a seu modo pacata e até pudica, uma, ou melhor, um derrière esplêndido. Não é preciso ser homem pra essas avaliações. Firme em definidos e perfeitos contornos, rebelde ao disfarce das saias e anáguas daquele tempo, inscrevia-se na cara de sua dona, que, movendo os olhos como as ancas, subia a rua em falsa pudicícia, apregoando-se: tenho. 

Os homens ficavam loucos. Eu era mocinha boba e escutei no armazém do Calixto ele dizer pro Teodoro, meu futuro marido, naquele tempo preocupado em fazer bodoques de goma: eh, ferro! O Vicente não vai dar conta daquela ali, não. É preciso muita saúde. 

Calixto falava com o Teodoro do que eu suspeitava serem os tesouros da Oldalisa e ela nem aí, toda toda, sobe e desce rua. Exatamente o que era me escapava, só podia ser coisa de homem e mulher. Felicitei-me por estar viva e participar de segredos tão excitantes. 

O Vicente era muito magrinho, não jogava bola, não nadava, não ‘salientava em nada’, o Vicente Cisquim. Pois foi dele que Raimunda – como o Calixto chamou ela naquele dia – gostou. Casaram e tiveram pencas de filhos. O Calixto ficou chupando o dedo. Ser bonitão e dono de armazém não contou para ele. Pois é, falou Teodoro, hoje, assim que botou o pé em casa: O que é a tecnologia, hein? Tecnologia? É, o avanço da medicina. Teodoro falava era do avanço do tempo. Tou aqui matutando, disse ele, porque a Oldalisa escolheu o Vicente, não tem base. To vendo aquela dona pegando as compras no caixa e… Plim! Era ela, a velha senhora. A Oldalisa do Vicente? É. O Vicente estava junto? Não. Estava com duas alianças e um menino, neto dela com certeza. Será que o Vicente morreu da praga do Calixto? Acho que não, porque eu procurei o traseiro da Oldalisa e nada da olda, só mesmo a lisa, magra e murcha. 

Ter encontrado a Oldalisa expropriada de seu dote mais tentador deixou Teodoro bem filosofante sobre as agruras do corpo. Teria ele também sido um apaixonado da Oldalisa e eu corrido sérios riscos? Porque amor não olha idade, não é mesmo? Agora, daquela do escritório eu tive, medo não, por causa de meus outros poderes, tive inveja. A uma cintura de vespa seguia-se, instruída e fatal, o que a Oldalisa trazia com inocência. Batia à máquina, agarradinha no Teodoro, de saia justa e batom cor de sangue. O apelido dela na firma era Corrosiva, e foi Teodoro quem pôs. Se chamava Rosiva, a perigosa. Imagina o risco que eu corri.

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