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domingo, 18 de janeiro de 2015

LEITURA DE DOMINGO

CRÔNICA

                   Elisa Lucinda
Sempre fui uma artista que não acha graça em arte que exclui e fico pensando por quanto tempo o país vai insistir nessa falta de estratégia para um desenvolvimento geral da nação a médio prazo. Estamos carecas de saber que sem educação qualquer indicador de desenvolvimento é fictício, parcial e insustentável. 

Progresso sem justiça e sem igualdade de oportunidades para TODOS não passa de uma triste retórica. "Só existe um jeito de prever o futuro, construindo-o". Esse sábio provérbio está a nos dizer que mais vale investir em academias públicas de ginástica, saúde preventiva da família, alimentos de qualidade a baixo custo ao alcance de todo cidadão pagador de seu impostos, do que fazer milhares de hospitais. Bem como mais vale um maciço investimento em escolas do que construir cada vez mais e mais presídios. 

Isso parece absurdo, mas não é. Só precisa de milhares de hospitais um povo muito doente. Quanto mais harmônico estiver o ser em relação ao seu sonho (coisa que o estudo costuma viabilizar) menos motivo de guerra ele terá. Que cadeias superlotadas e barbáries são os componentes de tragédias anunciadas, nós sabemos. Mas não basta que cada preso tenha sua cama, comida e banheiro. Essa mínima dignidade é frágil diante do que se tem que ali erigir. Sem biblioteca, teatro e ensino técnico num presídio, só estamos trancafiando o problema. 

A justiça prende e prega a injustiça dentro de seus portões. Mas há outras formas de prisões. Um menino criado em seu rico condomínio que não sabe pegar um ônibus e tem nojo dos que ali dentro transitam está encarcerado e excluído do conceito comunitário de mundo. A cultura da exclusão campeia a passos largos, ignorando os apelos da era de aquário que preconiza a união dos povos e o poder da palavra agora vivida em tempo real entre os cinco continentes. 

Para os que gostam de exemplos de celebridades, hoje vi o Michael Douglas, numa revista, levando a filha de sete anos para a escola. Como? De metrô. Mas para isso tem que haver, além de uma mentalidade que não despreze o coletivo, metrô ou outros transportes públicos que minimizem o caos das cidades. Pois aqui este mal é geral. 

Brasília vive diariamente seu apartadeid. Amo essa cidade. Ela sabe, e por isso mesmo acho que já é hora de Brasília produzir bens para o Brasil, além da arte, e de parar com essa "estadolatria" que pendura todos na saia do governo e faz tudo continuar como está. Só pobre anda de ônibus e quem vai para o Plano Piloto, dependendo do horário, não pode voltar para sua satélite. Sitiado pela população sem prestígios, o miolo da cidade dorme e amanhece sob o divino céu e sob a mesma ilusão. 

Infelizmente isso não é privilegio da Capital não. Moro na Cidade Maravilhosa e a minha rua é de ricos (sou infiltrada ali). É uma ladeira chique de belas casas. Quem nela caminha até o topo pode provar da experiência de atravessar a fronteira. O Morro da Tabajara subiu tanto que encontrou o cume da minha rua Sacopã. Encostadinhas, acaba uma mansão começa uma favela: chão de terra, cachorros magros, crianças nas ruelas e muitas caçambas de lixo fermentado de uma semana de abandono na entrada da comunidade. A bandeira da desigualdade hasteada a céu aberto. 

A Comlurb passa quase todos os dias na minha rua, mas quando no final muda de classe social o caminhão para. Não vai lá não. E param também o esgoto, o saneamento, água boa. Não vão cinema, teatro, farmácia, dança, biblioteca e pizza delivery. O Estado para ali. Estamos comemorando a vitória da pacificação dos morros que me fez achar uma costureira na favela e ir caminhando sem medo dentro dela. Muito bem. 

A exemplo do Rio, esse parece ser o caminho de uma parte da segurança de vários Estados que têm geografia social parecida com a dos cariocas. No entanto, existe outra prisão ainda ali. Vive-se privado de uma educação de excelência e outros benefícios culturais para o desenvolvimento integral de um cidadão. Quero rasgar essa bandeira que condena nossos jovens e seus pais à exclusão perpétua.

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