A MARCHA PELO CHARLIE HEBDO E O CARÁTER (OU FALTA DELE) FRANCÊS
Carlos Augusto Bissón
Nesta semana, vimos, inegavelmente, um espetáculo de mídia memorável. O “Je suis Charlie”, ou o seu oposto “Je ne suis pas Charlie”,se espalhou em escala global, dividindo opiniões. O curioso e o bizarro do assassinato de 12 pessoas (jornalistas e policiais) na redação do jornal humorístico Charlie Hebdo é que esse acontecimento colocou a França no lugar em que ela, arrogantemente, acha que merece estar: no centro das atenções do mundo.
O que me pergunto, porém, é qual é o percentual de pessoas, entre esses alegados um milhão e meio de manifestantes reunidos hoje (11/01) em Paris em protesto pelo massacre, que têm uma posição se não generosa, pelo menos tolerante à presença de quatro milhões de muçulmanos em território francês. Pois, ainda que o governo e a imprensa digam, protocolarmente, que os autores do atentado não representam os preceitos do islamismo (e não representam mesmo), o fato é que a burca e o véu estão proibidos em lugares públicos na França. A hostilidade do francês médio contra os muçulmanos, mesmo que eles façam parte da imensa maioria não fanática e extremista, é, sabidamente, grande. E o que vcs acham que significa o fato de que parte dos manifestantes deste domingo cantou a Marselhesa ? Um chamado à união nacional ou a exaltação da guerra contra os “invasores”?
Como a maioria dos países latinos e católicos, e em grau muito mais exacerbado, diga-se, a França sempre teve uma enorme resistência em conviver com a diferenciação cultural e religiosa. Historicamente, o entendimento de “integração” francês passa, necessariamente, pela adesão subserviente da minoria discordante ou a sua expulsão e extermínio, não pela convivência entre contrários. No século XVI, o protestantismo foi combatido no país a ferro e fogo, incluindo-se ao o assassinato de 40 mil pessoas (Noite de São Bartolomeu).Sim, houve uma revolução lá em 1789 que papagaiou para o mundo os ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”, mas é de se questionar, o quanto destes valores são experimentados e praticados pelo grosso dos franceses ontem e hoje. Apesar de ser a nação onde se criou o conceito de esquerda na política, de defesa da liberdade e dos oprimidos, há inúmeros exemplos de que a França é xenófoba e intolerante, coisa que o ex-embaixador Marcos Azambuja sugere, mas não diz com todas as letras, em sua entrevista publicada hoje (11/01) em Zero Hora.
A França é, na verdade, “bonitinha, mas ordinária”. Todos nós amamos aqueles esplendores culturais e gastronômicos, mas levar a sério o que os franceses mostram de si mesmos é falta de simancol. Exagero ? Hoje, os governanates de Israel e França, Benjamin Netanyahu e François Hollande, estiveram na Grande Sinagoga de Paris para homenagear os mortos do Charlie e do mercado kosher. Parece que alguém andou dizendo, antes ou durante a cerimônia, “que a França não é a França sem os judeus”. Puxa, essa deve ser uma ideia “nova” por lá, pois o antisemitismo é prata da casa. Houve o famoso Caso Dreyfuss. Há evidências mais do que suficientes de que, durante a ocupação alemã na II Guerra, o Governo de Vichy entregou até crianças judias para a Gestapo– sem que os nazistas pedissem tal coisa. Filmes americanos como “Casablanca” venderam a fantasia do que a maioria dos franceses era antinazista. Na verdade, era indiferente à presença dos alemães ou abertamente colaboracionista. O que se chamava de “Resistência” nada mais era do que os comunistas e direitistas isolados, como Charles De Gaulle.
E, do pouco que pude ver do que o Charlie Hebdo publica, o trabalho daqueles velhinhos bobos usava uma linguagem despudorada, chula e desrespeitosa (aquela estrela no ânus Maomé é de lascar) que nada mais fazia do que reforçar preconceitos rasteiros e o etnocentrismo francês. Ou seja, aquilo que se chama de direita. Sim, o Charlie também ataca o Catolicismo como instituição, mas seus petardos contra os árabes e o islamismo são, digamos assim, muito mais devastadores, sobretudo em função da precária condição social destes últimos na França.
À La Voltaire, eu defendo até a morte o direito desse jornal de publicar o que quiser, e estou revoltadíssimo com o assassinato dos cartunistas, mas isto não quer dizer concordância com o ridículo daquelas charges. E, ressalte-se,se há o medo da esquerda mundial de que a extrema-direita cresça e assuma o poder na França, uma parte dessa culpa pode e deve ser debitada ao “espírito Charlie” e ao “socialista” François Hollande - independente de qualquer teoria conspiracional que envolva os EUA, seja ela verdadeira ou delirante. Os franceses com as quais conversei no interior do país e em Paris no ano passado – empregados de hotéis e restaurantes - se dividiam em dois grupos: os que não acham que Hollande seja de esquerda e os que o julgam incompetente. Sob esse ponto de vista, acho que ele até deve agradecer pelo atentado ao Charlie Hebdo, já que o ultradireitista Jean Marie Le Pen classificou o jornal como “anarco-trotskista”. Com o assassinato dos cartunistas, Hollande tem a oportunidade reverter a maré a seu favor, vitimando-se.
Por fim, tenho de reconhecer que a fajutice francesa é extremamente eficaz como marketing. A imagem divulgada esta semana na TV de marroquinos, árabes, reunidos com cartazes onde se lia “Je suis Charlie” é de uma deliciosa ironia. Eles são muçulmanos e se solidarizaram com que os satirizou impiedosamente. Talvez, mesmo eles, não queiram ficar de fora “desse show da vida, que é fantástico”...
Carlos Augusto Bissón
Nesta semana, vimos, inegavelmente, um espetáculo de mídia memorável. O “Je suis Charlie”, ou o seu oposto “Je ne suis pas Charlie”,se espalhou em escala global, dividindo opiniões. O curioso e o bizarro do assassinato de 12 pessoas (jornalistas e policiais) na redação do jornal humorístico Charlie Hebdo é que esse acontecimento colocou a França no lugar em que ela, arrogantemente, acha que merece estar: no centro das atenções do mundo.
O que me pergunto, porém, é qual é o percentual de pessoas, entre esses alegados um milhão e meio de manifestantes reunidos hoje (11/01) em Paris em protesto pelo massacre, que têm uma posição se não generosa, pelo menos tolerante à presença de quatro milhões de muçulmanos em território francês. Pois, ainda que o governo e a imprensa digam, protocolarmente, que os autores do atentado não representam os preceitos do islamismo (e não representam mesmo), o fato é que a burca e o véu estão proibidos em lugares públicos na França. A hostilidade do francês médio contra os muçulmanos, mesmo que eles façam parte da imensa maioria não fanática e extremista, é, sabidamente, grande. E o que vcs acham que significa o fato de que parte dos manifestantes deste domingo cantou a Marselhesa ? Um chamado à união nacional ou a exaltação da guerra contra os “invasores”?
Como a maioria dos países latinos e católicos, e em grau muito mais exacerbado, diga-se, a França sempre teve uma enorme resistência em conviver com a diferenciação cultural e religiosa. Historicamente, o entendimento de “integração” francês passa, necessariamente, pela adesão subserviente da minoria discordante ou a sua expulsão e extermínio, não pela convivência entre contrários. No século XVI, o protestantismo foi combatido no país a ferro e fogo, incluindo-se ao o assassinato de 40 mil pessoas (Noite de São Bartolomeu).Sim, houve uma revolução lá em 1789 que papagaiou para o mundo os ideais de “liberdade, igualdade e fraternidade”, mas é de se questionar, o quanto destes valores são experimentados e praticados pelo grosso dos franceses ontem e hoje. Apesar de ser a nação onde se criou o conceito de esquerda na política, de defesa da liberdade e dos oprimidos, há inúmeros exemplos de que a França é xenófoba e intolerante, coisa que o ex-embaixador Marcos Azambuja sugere, mas não diz com todas as letras, em sua entrevista publicada hoje (11/01) em Zero Hora.
A França é, na verdade, “bonitinha, mas ordinária”. Todos nós amamos aqueles esplendores culturais e gastronômicos, mas levar a sério o que os franceses mostram de si mesmos é falta de simancol. Exagero ? Hoje, os governanates de Israel e França, Benjamin Netanyahu e François Hollande, estiveram na Grande Sinagoga de Paris para homenagear os mortos do Charlie e do mercado kosher. Parece que alguém andou dizendo, antes ou durante a cerimônia, “que a França não é a França sem os judeus”. Puxa, essa deve ser uma ideia “nova” por lá, pois o antisemitismo é prata da casa. Houve o famoso Caso Dreyfuss. Há evidências mais do que suficientes de que, durante a ocupação alemã na II Guerra, o Governo de Vichy entregou até crianças judias para a Gestapo– sem que os nazistas pedissem tal coisa. Filmes americanos como “Casablanca” venderam a fantasia do que a maioria dos franceses era antinazista. Na verdade, era indiferente à presença dos alemães ou abertamente colaboracionista. O que se chamava de “Resistência” nada mais era do que os comunistas e direitistas isolados, como Charles De Gaulle.
E, do pouco que pude ver do que o Charlie Hebdo publica, o trabalho daqueles velhinhos bobos usava uma linguagem despudorada, chula e desrespeitosa (aquela estrela no ânus Maomé é de lascar) que nada mais fazia do que reforçar preconceitos rasteiros e o etnocentrismo francês. Ou seja, aquilo que se chama de direita. Sim, o Charlie também ataca o Catolicismo como instituição, mas seus petardos contra os árabes e o islamismo são, digamos assim, muito mais devastadores, sobretudo em função da precária condição social destes últimos na França.
À La Voltaire, eu defendo até a morte o direito desse jornal de publicar o que quiser, e estou revoltadíssimo com o assassinato dos cartunistas, mas isto não quer dizer concordância com o ridículo daquelas charges. E, ressalte-se,se há o medo da esquerda mundial de que a extrema-direita cresça e assuma o poder na França, uma parte dessa culpa pode e deve ser debitada ao “espírito Charlie” e ao “socialista” François Hollande - independente de qualquer teoria conspiracional que envolva os EUA, seja ela verdadeira ou delirante. Os franceses com as quais conversei no interior do país e em Paris no ano passado – empregados de hotéis e restaurantes - se dividiam em dois grupos: os que não acham que Hollande seja de esquerda e os que o julgam incompetente. Sob esse ponto de vista, acho que ele até deve agradecer pelo atentado ao Charlie Hebdo, já que o ultradireitista Jean Marie Le Pen classificou o jornal como “anarco-trotskista”. Com o assassinato dos cartunistas, Hollande tem a oportunidade reverter a maré a seu favor, vitimando-se.
Por fim, tenho de reconhecer que a fajutice francesa é extremamente eficaz como marketing. A imagem divulgada esta semana na TV de marroquinos, árabes, reunidos com cartazes onde se lia “Je suis Charlie” é de uma deliciosa ironia. Eles são muçulmanos e se solidarizaram com que os satirizou impiedosamente. Talvez, mesmo eles, não queiram ficar de fora “desse show da vida, que é fantástico”...
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