Betsy
Betsy esperou a volta do homem para morrer.
Antes da viagem ele
notara que Betsy mostrava um apetite incomum. Depois surgiram outros sintomas,
ingestão excessiva de água, incontinência urinária. O único problema de Betsy
até então era a catarata numa das vistas. Ela não gostava de sair, mas antes da
viagem entrara inesperadamente com ele no elevador e os dois passearam no
calçadão da praia, algo que ela nunca fizera. No dia em que o homem chegou,
Betsy teve o derrame e ficou sem comer. Vinte dias sem comer, deitada na cama
com o homem. Os especialistas consultados disseram que não havia nada a fazer.
Betsy só saia da cama para beber água.
O homem permaneceu
com Betsy na cama durante toda a sua agonia, acariciando seu corpo, sentindo
com tristeza a magreza de suas ancas. No último dia, Betsy, muito quieta, os
olhos azuis abertos, fitou o homem com o mesmo olhar de sempre, que indicava o
conforto e o prazer produzidos pela presença e pelos carinhos dele. Começou a
tremer e ele a abraçou com mais força. Sentindo que os membros dela estavam
frios, o homem arranjou para Betsy uma posição confortável na cama. Então ela
estendeu o corpo, parecendo se espreguiçar, e virou a cabeça para trás, num
gesto cheio de langor. Depois esticou o corpo ainda mais e suspirou, uma
exalação forte. O homem pensou que Betsy havia morrido. Mas alguns segundos
depois ela emitiu novo suspiro. Horrorizado com sua meticulosa atenção o homem
contou, um a um, todos os suspiros de Betsy. Com o intervalo de alguns segundos
ela exalou nove suspiros iguais, a língua para fora, pendendo do lado da boca.
Logo ela passou a golpear a barriga com os dois pés juntos, como fazia
ocasionalmente, apenas com mais violência. Em seguida, ficou imóvel. O homem
passou a mão de leve no corpo de Betsy. Ela se espreguiçou e alongou os membros
pela última vez. Estava morta. Agora, o homem sabia, ela estava morta.
A noite inteira o
homem passou acordado ao lado de Betsy, afagando-a de leve, em silêncio, sem
saber o que dizer. Eles haviam vivido juntos dezoito anos.
De manhã, ele a
deixou na cama e foi até a cozinha e preparou um café puro. Foi tomar o café na
sala. A casa nunca estivera tão vazia e triste.
Felizmente o homem
não jogara fora a caixa de papelão do liqüidificador. Voltou para o quarto.
Cuidadosamente, colocou o corpo de Betsy dentro da caixa. Com a caixa debaixo
do braço caminhou para a porta. Antes de abri-la e sair, enxugou os olhos. Não
queria que o vissem assim.
Histórias de Amor - Rubem Fonseca - 1997
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