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sábado, 16 de novembro de 2013

DAS MADRUGADAS

Assistindo ao noticiário sobre o início do feriado lembrei de uma crônica do grande Luís Fernando Veríssimo.

Engarrafamento

 Espere até o pedágio na ponte passar - como fatalmente passará - para Cr$ 17,20. Aí sim você verá engarrafamentos.

- Não tem troco, meu camarada. Aceita comprimido? 
- Bala, tem?
- Só azedinha.
- De quê?
- Framboesa, limão e laranja.
- Caramelo não?
- Azedinha e chiclé. E vamo lá que tem gente buzinando atrás.
- É. Essas buzinas estão me dando dor de cabeça. Vai comprimido mesmo.
- Fontol ou aspirina?


 A verdade é que brasileiro gosta de engarrafamento. Diz que não gosta mas adora. Brasileiro tem a volúpia do entrave. Tudo o que fluir muito rapidamente, sei lá, não parece natural. Essas invenções estrangeiras, free-ways, pistas de alta velocidade, viadutos, elevados... tudo muito frio e desumano, contra a índole do brasileiro. O que falta a Brasília para se tornar a Capital legítima do país é o cruzamento. Dois ou três bons engarrafamentos por dia para ativar o espírito e prevenir contra a indolência e a fantasia - hábitos desaconselháveis tanto para quem está guiando os destinos da Nação como um automóvel - e tudo bem.

 O engarrafamento provocao que há de pior e melhor no caráter brasileiro. as brigas, as xingações, a prepotência, a lei do mais peitudo, as buzinas que tocam Odair José... E a conciliação, o acordo de emergência, as pequenas concessões da vaidade. Enfim, o jeito. Como as filas são a vida social dos pobres, os engarrafamentos são os grandes acertos da classe média. No engarrafamento os motoristas brasileiros purgam a sua culpa por terem mais carros do que deviam e ao mesmo tempo estabelecem uma détente pára-lama com pára-lama, para a sobrevivência. Se o trânsito fosse livre eles só se encontrariam na batida. Trafegariam com excesso de culpa. Ou com culpa nenhuma, que é mais perigoso ainda. Não haveria o grande ritual da expiação coletiva.

Mas um dia chegará o Grande Engarrafamento. Provavelmente em São Paulo, onde tudo chega primeiro. Ninguém conseguirá mover seu carro, nem pra a frente, nem para trás. Abrir as portas para abandonar o carro já será difícil. E eles serão abandonados. Haverá cenas tocantes de desconsolo e desespero.

- Meu Dodgezinho! Minha vida! um 71. Na flor da idade! Quero ficar aquí e apodrecer junto com ele. Larguem-me!

Mas eles serão abandonados. De vez em quando famílias inteiras virão visitar a velha Rural ou colocar flores sobre a capota do Volks, e lembrarão seus momentos felizes. E com o passar dos anos acontecerá o seguinte: uma população marginal ocupará, pouco a pouco, os veículos parados. Os que chegarem primeiro pegarão os Galaxies, os Mavericks, e as Veraneios. Os mais empreendedores ocuparão os ônibus e sublocarão espaço até no corredor. E não demora aparecerão anúncios nos jornais:

 Opala 4 portas aluga banco de trás para rapaz solteiro. Saída independente.

 Kombi tem lugar para família pequena. Cachorro não.

 Alugo conjunto: Alfa-Romeo e Chevette conjugados. Banheiro é atrás num Renault em boas condições.

 Limousine preta. Para família de fino trato. Revestimento em veludo gris. Bar e telefone. Pertenceu a diplomata. Restos de charuto no cinzeiro incluídos no preço. Bateria ainda funciona. O chofer também foi abandonado e aceita trabalhar como porteiro ou mordomo. Dependências para empregados no Corcel ao lado. Perto de ônibus escolar e de ambulância.

 Um dia chegará o Grande Engarrafamento. E as pessoas farão fila para assistir.

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