A barata
Dino Buzzati
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Apaguei a luz e ouvi alguém remexendo no pátio. Depois,
subiu a voz de um cão, aguda e longa; parecia lamentar-se. Subiu, passando
diante da janela, perdeu-se na noite quente. Depois abriu-se uma persiana (ou
se fechou?). Longe, muito longe, mas talvez eu me enganasse, uma criança se pôs
a chorar. Depois, novamente o ulular do cão, longo como antes. Eu não conseguia
dormir.
Vozes de homens
vieram de alguma outra janela. Eram baixas, como murmuradas entre o sono. De
uma sacada abaixo, ouvi um cip, cip, zitevitt, e algumas batidas de asas.
"Flório!", ouviu-se chamar de repente, devia ser duas ou três casas
mais adiante. "Flório!", parecia uma mulher, mulher angustiada, que
tivesse perdido o filho.
Mas por que o
canarinho do andar de baixo acordara? Que havia? Com um rangido lamentoso, como
se fosse empurrada devagarinho por alguém que não queria fazer-se ouvir, uma
porta se abriu em algum lugar da casa. Quanta gente acordada a essa hora,
pensei. Estranho, a essa hora.
"Tenho medo,
tenho medo", queixou-se ela procurando-me com o braço. "Oh,
Maria", perguntei, "Que tem você?" Respondeu com voz tênue:
"Tenho medo de morrer." "Você sonhou de novo?" Fez que sim,
devagarinho, com a cabeça. "De novo aqueles gritos?" Fez sinal que
sim. "E você ia morrer?" Sim, sim, indicava, procurando olhar-me, com
as pálpebras grudadas pelo sono.
Há alguma coisa,
pensei: ela sonha, o cão uiva, o canarinho acordou, as pessoas se levantam e
falam, ela sonha com a morte, como se todos tivessem sentido uma coisa, uma
presença. Oh, o sono não vinha e as estrelas passavam. Ouvi distintamente no
pátio o ruído de um fósforo aceso. Por que alguém se punha a fumar às três
horas da manhã? Então senti sede, levantei-me e saí do quarto para beber água.
A triste lâmpada do corredor estava acesa, percebi vagamente a mancha preta no
ladrilho e parei, assustado. Olhei: a mancha preta se movia.Ou melhor, movia-se
um pedacinho (ela sonha que vai morrer, o cão uiva, o canarinho acorda, pessoas
se levantaram, uma mãe chama o filho, as portas rangem, alguém fuma, e há
talvez um choro de criança).
Vi, no chão, o bichinho preto que movia uma patinha. Era a do meio, à direita. O resto estava imóvel, uma mancha de tinta que caíra da morte. Mas a perninha remava fracamente como se quisesse subir de novo alguma coisa, o rio das trevas, talvez. Teria ainda esperança?
Durante duas horas e
meia, dentro da noite — senti um calafrio —, o imundo inseto grudado no
ladrilho pelas suas próprias mucilagens viscerais, durante duas horas e meia
continuara a morrer e ainda não acabara. Maravilhosamente continuava a morrer,
transmitindo, com a última patinha, a sua mensagem. Mas quem a podia colher às
três da manhã, na escuridão do corredor de uma pensão desconhecida? Duas horas
e meia, pensei, continuamente para cima e para baixo, a última porção de vida
na perninha sobrevivente, para invocar justiça. O pranto de uma criança — lera
um dia — basta para envenenar o mundo. Em seu coração, Deus onipotente quisera
que certas coisas não acontecessem, mas não pôde impedi-lo porque por ele mesmo
foi decidido. Mas uma sombra jaz ainda sobre nós. Esmaguei o inseto com o
chinelo e, esfregando no chão, esmigalhei-o num longo rasto cinza.
Então, finalmente, o
cão calou-se, ela, no sono, se acalmou e parecia quase sorrir, as vozes se
apagaram, calou a mãe, não se percebeu mais nenhum sintoma de inquietude do
canarinho, a noite recomeçava a passar sobre a casa cansada, a morte fora
inchar sua inquietude em outras partes do mundo.
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