A galinha fuzilada
Naquele tempo era
coronel. Hoje, passados que são uns anos, deve ser muito mais. Declaro, em seu
favor, que foi o militar mais militar que conheci. Morava em Jacarepaguá, em
frente à minha casa, e sua família, muito numerosa, era sua tropa,
perfeitamente instruída e disciplinada. Na rua, mesmo em passeio, andavam todos
de passo certo, mulher, filhos e cachorro. Seu ardor patriótico fazia-o acordar
às cinco da manhã e, no banheiro, cantava todos os hinos que conhecia. Apenas
reservava o Hino Nacional, com introdução e tudo, para os dias santos e
feriados. A farda era seu invólucro: nunca o vi na rua à paisana.
Esperava o bonde
perfeitamente empertigado, quase em posição de sentido, e continência, apenas
para as senhoras e superiores. A roupa (a farda) era sempre impecável, de vinco
firme, com botas que poderiam servir de espelhos. No tempo da guerra, que
acompanhou todinha pelo Repórter Esso, redobrou de austeridade. Aí já não
cumprimentava os vizinhos, e as continências às senhoras, como tudo na época,
foram drasticamente racionadas. No bairro, todos o respeitavam e não havia
ladrão que se atrevesse a passar na esquina daquela rua. As filhas é que não
olhavam com bons olhos aquele excesso de austeridade. Embora jeitosas, corriam
o risco de ficar solteiras, pois nenhum mancebo se atrevia a aproximar-se da
casa, ou melhor, do quartel.
Tinha um hobby: criar
galinhas. Possuía umas cinqüenta cabeças, algumas de boa raça. Todo domingo,
num espetáculo inédito, soltava as galinhas na rua e, de pijama e cinturão — com
um bruto revólver do lado —, ficava vigiando o piquenique. Passados uns trinta
minutos, bastava que fizesse um "Xô, galinha" para que as cinqüenta,
uma a uma, fossem voltando para o jardim da casa e, finalmente, ao galinheiro.
Era uma prova eloqüente de que a disciplina naquela casa era igual para todos.
Até que um domingo
não foi bem assim. Lembro-me bem de uma galinha preta que não atendeu ao
primeiro "xô", provocando, com esse ato de rebeldia, uma repetição do
mesmo, em tom menos amigo. Ocorreu uma nova desobediência, seguida de novo
"xô".
Mas a doida,
naturalmente julgando-se uma galinha civil, novamente desatendeu a ordem.
Considerando-a insubmissa, e passível de crime militar, uma vez que estávamos
em guerra, o valente coronel sacou de sua arma e fez partir um balaço que deve
ter ido direto ao coração da galinha. Que nem estrebuchou. Ficou o dia inteiro
por ali mesmo, gelando o sangue, até que foi encontrada por um mulato que, à
noite, na encruzilhada, ao lado do corpo de penas pretas fez acender sete velas
de cera. Até hoje, porém, não se sabe se foi macumba ou velório. E a única
testemunha do crime foi este seu criado que, a respeito, nunca prestou
declarações, mesmo porque, até agora, nada lhe foi perguntado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário