Sobre o futebol e o estupro
Já contei do meu primo Nilo, aquele que morreu por causa de seu amor ao Botafogo: bebia para comemorar quando o Botafogo ganhava, bebia para apagar a tristeza quando o Botafogo perdia. Mas, de repente, me veio uma situação para a qual não encontrei resposta: "E quando o Botafogo empatava, o que é que o Nilo fazia?".
Depois de muito
meditar conclui que, quando o Botafogo empatava, o Nilo bebia dobrado, porque
não existe coisa mais chata que jogo que termina empatado. Jogo empatado é
feito transa não consumada, os dois na cama, uma coisa emocionante tem de
acontecer, os dois se esfregam, o tempo todo, pelejando para ver se pinta
alguma emoção, mas tudo é inútil pedindo desculpas ao outro, sem saber o que
dizer e fazer. O jeito é beber...
A partida terminou empatada.
Os dois times broxaram. Não adianta dizer que o espetáculo coreográfico foi
maravilhoso, que os times exibiram técnica de rara beleza. Ninguém vai ao
futebol para ver beleza. Beleza em futebol só é bonita quando o time da gente
ganha. Futebol não é concerto. É pra sofrer e fazer sofrer: um espetáculo
depravado, perverso, onde o orgasmo acontece sobre o sado-masoquismo. Ninguém
assiste a um jogo de futebol pôr razões estéticas. O tesão do futebol se
encontra, precisamente, na possibilidade de fazer o outro sofrer.
Pois o que é um gol?
Um gol é um estupro. O prazer do gol é o prazer de ter estuprado o adversário,
de ter metido a bola da gente no buraco dele contra a vontade dele. Uma partida
de futebol é uma tentativa de estupro estilizada. Vai um time levando a bola, a
bola tem de estar bem cheia, dura, vai o jogador ludibriando as tentativas de
defesa, passando a bola no meio das pernas, o outro time faz tudo para evitar,
fecha os buracos, todos lutando, não querem que a bola entre no lugar mais sagrado
do seu time, aquele buraco guardado pelo goleiro, vem o chute potente, a bola
vai, o goleiro se estira, inutilmente, a bola entra. Gol! O estupro aconteceu.
A torcida grita de
prazer. É o orgasmo. E geme a torcida do estuprado: qualquer penetração
violenta dói muito. Mas o prazer do estuprador está precisamente nisso: é o
sofrimento do outro que lhe dá uma medida da sua potência. Nada mais broxante
para o estuprador que encontrar uma vítima que não ofereça resistência, que se
abra toda e até goste. A tentativa de estupro terminaria na hora. O estuprador
ficaria broxa. O mesmo com o futebol. É a resistência ao estupro que dá ao
estuprador a medida de sua macheza. Cada prazer de gol é prazer de um estupro
bem sucedido.
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