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domingo, 10 de maio de 2015

LEITURA DE DOMINGO


Da Preguiça Como Método de Trabalho

Não sei pensar a máquina, isto é, faço o meu trabalho criativo primeiramente a lápis. Depois, com o queixo apoiado na mão esquerda, repasso tudo a máquina com um dedo só.

- Mas isto não custa muito?

- Custar, custa, mas dura mais...

 Não despertemos o leitor. Os leitores são, por natureza, dorminhocos. Gostam de ler dormindo.

 Autor que os queira conservar não deve ministrar-lhes o mínimo susto. Apenas as eternas frases feitas.

“A vida é um fardo” – isto, por exemplo, pode-se repetir sempre. E acrescentar impunemente: “disse Bias.” Bias não faz mal a ninguém, como aliás os outros seis sábios da Grécia, pois todos os sete, como há vinte séculos já se queixava Plutarco, eram uns verdadeiros chatos. Isto para ele, Plutarco. Mas, para o grego comum da época, devia ser a delícia e a tábua de salvação das conversas.
 Pois não é mesmo tão bom falar e escrever sem esforço? O lugar-comum é a base da sociedade, a sua política, a sua filosofia, a segurança das instituições. Ninguém é levado a sério com idéias originais.
 Já não é a primeira vez, por exemplo, que um figurão qualquer declara em entrevista: “O Brasil não fugirá ao seu destino histórico!” O êxito da tirada, a julgar pelo destaque que lhe dá a imprensa, é sempre infalível, embora o leitor semidesperto possa desconfiar que isso não quer dizer coisa alguma, pois nada foge mesmo ao seu destino histórico, seja um Império que desaba ou uma barata esmagada.

 A preguiça é a mãe do progresso. Se o homem não tivesse preguiça de caminhar, não teria inventado a roda. Não poderia viajar pelo mundo inteiro.

 Conta-se que em fins do século passado, num remoto país do Oriente, a viagem da capital à fronteira levava nada menos que trinta dias, e ainda por cima a lomnbo de camelo. E sucedeu que um engenheiro britânico ali residente, em nome do progresso, resolveu remediar a coisa.

 - Enfim – concluiu ele, após uma audiência com o respectivo chá, ou coisa que o valha -, construindo-se a estrada de ferro de que o país tanto necessita, a viagem até a fronteira poderá ser feita em um só dia!

- Mas – objetou o velho monarca, que o ouvira com uma paciência verdadeiramente oriental – o que é que a gente vai fazer dos vinte e nove dias que sobram?!

 ...E o mais confortador das longas viagens de trem são esses burricos pensativos que vemos à beira da estrada e nos poupam assim o trabalho de pensar...
 Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”. Constava do título e de duas belas colunas em branco, com a minha assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito pelo supercilioso coordenador da página literária.
 Já viram desconfiança igual?
 Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.

 Em suma: o que prejudica a minha preguiça prejudica o meu trabalho.

Compensação:
Suave preguiça que, do mal querer
E de tolices mil, ao abrigo nos pões…
Por tua causa, quantas más ações
Deixei de cometer!

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