Interessantíssimo texto de Marcelo Mirisola no yahoo
Uma pergunta que não quer calar: Linchar o racismo da branca amarrada no poste, pode?
Nada de surpreendente no desenrolar do caso da torcedora do Grêmio que xingou Aranha, goleiro do Santos, de macaco. A infeliz foi (está sendo e será) devidamente linchada pelos detentores do bem, defensores dos fracos e oprimidos, pelos arautos da moral, dos bons costumes e do politicamente correto - incluídos soberbamente 100% dos habitantes do feicibuque e 100% daquilo que, antigamente, os místicos e os comediantes chamavam de "formadores de opinião".
Seria mais cômodo se eu fizesse o mesmo. Mas tem um porém.
Esse episódio lamentável remeteu a outro episódio igualmente lamentável. Queria deixar claro, antes de a patrulha enviar paralelepípedos sobre meus cornos - antes de me acusarem de "racista" - queria dizer que não sou Jesus Cristo para dar a outra face nem pra dizer "quem não tem pecado que atire o primeiro meme, etc, etc".
Ocorre que me recuso a apedrejar quem quer que seja - o que é bem diferente de defender e/ou chancelar a escrotidão e o crime alheio.
Feito o devido prólogo, seguimos em frente. Ou melhor, já que estamos no Brasil, seguimos para trás. Vamos fazer uma viagem a um passado recente. Uma viagem ao arborizado bairro do Flamengo, Rio de Janeiro - fevereiro de 2014.
À época, meia dúzia de justiceiros amarraram um garoto negro num poste e o lincharam. Se não me engano, ele havia cometido um assalto. Infringiu o código penal, da mesma forma que a torcedora do Grêmio também infringiu o código penal quando cometeu o crime de injúria racial. Esse é o ponto que vou retomar daqui a pouco, anotem: dois crimes. A coisa tomou proporções fundamentalistas quando Raquel Sherazade, âncora do jornal do SBT, acarinhou e prestou solidariedade (lá do jeito dela) aos linchadores do Flamengo.
O problema é que a Sherazade que comprou a versão dos linchadores do garoto negro preso ao poste é surpreendentemente igual ao povo esclarecido que lincha a torcedora do Grêmio agora e que, na época do linchamento do garoto apontou furiosamente a mira de quem?
Talvez o povinho esclarecido "do bem" tenha realizado o sonho dos linchadores do Flamengo. E talvez tenha ido além. Ou seja. Não somente apoiou o linchamento da torcedora do Grêmio da mesma forma que Sherazade havia acarinhado os linchadores do garoto negro, como linchou.
E, até agora, não encontraram resistência alguma, muito pelo contrário: continuam linchando a torcedora do Grêmio (Sherazade não teve essa oportunidade).
Alguns dirão: a diferença é que a torcedora do Grêmio é agente do crime, e o garoto vítima de um bando de trogloditas.
Não é bem assim. A diferença entre o garoto do flamengo e a torcedora do Grêmio consiste no fato de que o primeiro foi amarrado a um poste de cimento e a outra está sendo amarrada a um poste virtual. Ambos são criminosos e ambos são vítimas de trogloditas justiceiros.
Se eu jogasse para/e com a platéia - como a maioria dos meus coleguinhas de ofício - e fuzilasse a torcedora do Grêmio, imediatamente reduziria o garoto negro à condição de vítima. Todos são iguais perante à lei, mas infelizmente todos não são iguais perante às paixões. Em outras palavras: fuzilar a torcedora do Grêmio é reconhecer que o garoto negro amarrado ao poste é inferior a ela. Isso sim é racismo. Ninguém é mais coitadinho ou mais vítima do que ninguém.
Não existe medida nem termo para a ignorância humana. Ou não deveria existir. Tanto o garoto como a torcedora do Grêmio - repito - cometeram crimes. Um cometeu o crime de roubo ou assalto e a outra de injúria racial. Existem mais dezenas de crimes tipificados em nosso código penal. A gradação da pena e a punição em si são estabelecidos pela nossa legislação. Ponto final.
Existe a lei, e somente a lei pode aferir a gravidade de um crime e puní-lo, e essa lei necessariamente deve ser aplicada pelo Estado, jamais por justiceiros - independentemente da "boa causa" e da "vítima" em questão.
Pois bem, prossigo e pergunto: linchar o racismo da branca amarrada no poste, pode?
Depreende-se que existe uma espécie de linchamento do bem?
Linchamento do bem
Por Marcelo Mirisola – seg, 1 de set de 2014
Nada de surpreendente no desenrolar do caso da torcedora do Grêmio que xingou Aranha, goleiro do Santos, de macaco. A infeliz foi (está sendo e será) devidamente linchada pelos detentores do bem, defensores dos fracos e oprimidos, pelos arautos da moral, dos bons costumes e do politicamente correto - incluídos soberbamente 100% dos habitantes do feicibuque e 100% daquilo que, antigamente, os místicos e os comediantes chamavam de "formadores de opinião".
Seria mais cômodo se eu fizesse o mesmo. Mas tem um porém.
Esse episódio lamentável remeteu a outro episódio igualmente lamentável. Queria deixar claro, antes de a patrulha enviar paralelepípedos sobre meus cornos - antes de me acusarem de "racista" - queria dizer que não sou Jesus Cristo para dar a outra face nem pra dizer "quem não tem pecado que atire o primeiro meme, etc, etc".
Ocorre que me recuso a apedrejar quem quer que seja - o que é bem diferente de defender e/ou chancelar a escrotidão e o crime alheio.
Feito o devido prólogo, seguimos em frente. Ou melhor, já que estamos no Brasil, seguimos para trás. Vamos fazer uma viagem a um passado recente. Uma viagem ao arborizado bairro do Flamengo, Rio de Janeiro - fevereiro de 2014.
À época, meia dúzia de justiceiros amarraram um garoto negro num poste e o lincharam. Se não me engano, ele havia cometido um assalto. Infringiu o código penal, da mesma forma que a torcedora do Grêmio também infringiu o código penal quando cometeu o crime de injúria racial. Esse é o ponto que vou retomar daqui a pouco, anotem: dois crimes. A coisa tomou proporções fundamentalistas quando Raquel Sherazade, âncora do jornal do SBT, acarinhou e prestou solidariedade (lá do jeito dela) aos linchadores do Flamengo.
O problema é que a Sherazade que comprou a versão dos linchadores do garoto negro preso ao poste é surpreendentemente igual ao povo esclarecido que lincha a torcedora do Grêmio agora e que, na época do linchamento do garoto apontou furiosamente a mira de quem?
Talvez o povinho esclarecido "do bem" tenha realizado o sonho dos linchadores do Flamengo. E talvez tenha ido além. Ou seja. Não somente apoiou o linchamento da torcedora do Grêmio da mesma forma que Sherazade havia acarinhado os linchadores do garoto negro, como linchou.
E, até agora, não encontraram resistência alguma, muito pelo contrário: continuam linchando a torcedora do Grêmio (Sherazade não teve essa oportunidade).
Alguns dirão: a diferença é que a torcedora do Grêmio é agente do crime, e o garoto vítima de um bando de trogloditas.
Não é bem assim. A diferença entre o garoto do flamengo e a torcedora do Grêmio consiste no fato de que o primeiro foi amarrado a um poste de cimento e a outra está sendo amarrada a um poste virtual. Ambos são criminosos e ambos são vítimas de trogloditas justiceiros.
Se eu jogasse para/e com a platéia - como a maioria dos meus coleguinhas de ofício - e fuzilasse a torcedora do Grêmio, imediatamente reduziria o garoto negro à condição de vítima. Todos são iguais perante à lei, mas infelizmente todos não são iguais perante às paixões. Em outras palavras: fuzilar a torcedora do Grêmio é reconhecer que o garoto negro amarrado ao poste é inferior a ela. Isso sim é racismo. Ninguém é mais coitadinho ou mais vítima do que ninguém.
Não existe medida nem termo para a ignorância humana. Ou não deveria existir. Tanto o garoto como a torcedora do Grêmio - repito - cometeram crimes. Um cometeu o crime de roubo ou assalto e a outra de injúria racial. Existem mais dezenas de crimes tipificados em nosso código penal. A gradação da pena e a punição em si são estabelecidos pela nossa legislação. Ponto final.
Existe a lei, e somente a lei pode aferir a gravidade de um crime e puní-lo, e essa lei necessariamente deve ser aplicada pelo Estado, jamais por justiceiros - independentemente da "boa causa" e da "vítima" em questão.
Pois bem, prossigo e pergunto: linchar o racismo da branca amarrada no poste, pode?
Depreende-se que existe uma espécie de linchamento do bem?
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