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domingo, 21 de setembro de 2014

LEITURA DE DOMINGO

Fábula à grega em dois atos

      Max Gehringer
Personagens: o Gafanhoto Estressado e a Aranha Bem-Intencionada.

Cena um: o Gafanhoto tenta convencer a Aranha de que um colega de trabalho dos dois, o 
Camaleão, é um hipócrita de carteirinha. 

-- Esse Camaleão é um fingido, Aranha. Sempre mudando de cor conforme a ocasião. 

-- Mas essa não seria só a natureza dele, Gafanhoto? Ele não foi criado desse jeito? 

-- Nada! Antigamente, ele fazia o mesmo que nós, dava duro para levar a vida. Depois, virou 
esse artista em tempo integral, sempre escondido atrás de disfarces e artimanhas. 

-- Mas por que ele faria isso? 

-- Para tirar proveito da situação. Ele fica ali, na moita, com aquela cara inofensiva, mas, na 
primeira oportunidade, abocanha os descuidados. 

-- Puxa, é verdade. E eu, que passo horas tecendo a minha teia, no maior capricho... 

-- E eu, que fico pulando de um lado para outro sem parar? É por isso que vivo estressado. Se 
me distraio, o Camaleão solta a língua e me pega. 

-- É mesmo. Se você não me abre os oito olhos, eu nunca teria pensado nisso. 

-- Porque você é singela e bem-intencionada. Sabe como chama o que o Camaleão está
fazendo? Competição desleal no ambiente de trabalho! -- Faz sentido. Você é um sábio, Gafanhoto. 

-- Obrigado, Aranha. Mas o ponto é que não podemos, nunca, confiar no Camaleão. 

-- Será que não haveria um jeito de neutralizá-lo? Bom, para nosso benefício mútuo, eu acho 
que tenho um plano infalível. 

-- Tem? 

-- Tenho. Escute... 

Intervalo: se os antigos gregos não tivessem inventado as fábulas, a democracia e a filosofia 
(e, ademais, sacado que a soma do quadrado dos catetos era igual ao quadrado da hipotenusa), 
ainda assim eles teriam entrado para a história por sua habilidade para criar palavras. Como 
"hipotenusa". Ou "hipocrisia", termo que significa "abaixo da decisão". Hipócrita, no teatro 
grego, era a maneira como o povo se referia ao ator que representava sem nunca tomar 
decisões sobre o texto. E seu talento estava em convencer a platéia de que ele não era ele 
mesmo, mas sim aquele personagem ali no palco. Milênios se passaram e não surgiu palavra 
melhor para definir os hipócritas modernos, que continuam tão dissimulados quanto seus 
ancestrais. A diferença é que os hipócritas evoluíram. Agora, eles criam seus próprios
diálogos. Por isso, no palco corporativo, a sobrevivência profissional depende da
sensibilidade para identificar os personagens que estão contracenando conosco. O Estressado, 
que ninguém aprecia muito, pelo menos é sincero ao manifestar seus sentimentos. O que nem 
sempre é o caso do colega aparentemente bem-intencionado, em quem depositamos toda
confiança e para quem abrimos nosso coração. 

Cena dois: o Gafanhoto se aproxima para escutar o plano da Aranha. E se enrosca na teia. 
Imediatamente, ela o pica e começa a embrulhá-lo para o almoço. 

-- O que você está fazendo, Aranha? Nós não somos colegas e parceiros? 

-- Não leve a mal, meu caro Gafanhoto, mas essa é a lei aqui da selva: boa intenção é uma 
coisa e prioridade pessoal é outra...

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