Ana Becker
Sabe o que eu achei mais engraçado nessas discussões que
rolaram com pessoas se colocando como verdadeiros ~especialistas~ em Indonésia
no caso do brasileiro executado por tráfico de drogas? O aplauso à correção e
ao cumprimento das leis naquele país. Eu morei na Indonésia, e o pouco que eu
sei e aprendi por lá é suficiente para achar essa ideia absurda.
“A Indonésia sim que é um modelo de correção e cumprimento
às leis. Lá os criminosos não ficam impunes.” - Frase repetida milhares de
vezes nos últimos dias por conta do fuzilamento de Marcelo Archer.
É mesmo?
Em uma das minhas entradas no país tive que dar meu telefone
para o agente da imigração, que ameaçou retê-lo caso eu não liberasse o número.
Vários amigos tiveram bolsas abertas na salinha da imigração. “Ah, brasileiro?
Meu filho adora futebol. Vai gostar muito dessa camiseta do Ronaldo”. Pegavam,
numa boa, e saíam fora. São muitas as histórias.
A corrupção é tão institucionalizada que, quando tu tá por
lá, tu enxerga ela todos os dias. To-dos.
Diversas vezes me aconselharam a sair de casa com uma
quantia mais significativa de dinheiro pra “caso a polícia encrencar contigo”.
E aí tem gente aplaudindo a Indonésia como um país ~que cumpre as leis e mostra
como é que é quando alguém não as cumpre~.
Tentei muito sem sucesso expor esse ponto de vista em uma
discussão nesse fim de semana. A lei sobreposta à vida dessa forma, sem
questionamento, sem crítica, soberana apenas por ser lei acaba legitimando
qualquer loucura?—?desde que seja proveniente de um legislador. “É lei”. Sim, é
lei e é ótimo que as leis sejam cumpridas, mas tem tanta coisa ruim que se pode
fazer dentro da lei…
Me disseram, também, que “as leis de um país refletem a
cultura daquele país e a vontade das pessoas”.
Não sei o que é mais ingênuo: realmente acreditar que as
leis refletem a vontade do povo ou crer que elas estão acima do bem e do mal
pelo simples fato de serem leis.
Quando eu morava na Malásia, um morador do meu prédio me
quis presa. O motivo: um amigo meu me encontrou no saguão. Ele chorava,
desesperado, com um problema pessoal. Eu abracei o guri pra consolá-lo. Um
abraço, e o cara me queria na cadeia. As leis, as interpretações das pessoas,
os absurdos.
Que mal eu causei com um abraço? Feri a moral & os bons
costumes de uma sociedade majoritariamente muçulmana que acredita que isso
possa ser uma afronta social.
Sem falar no fato de que ser homossexual é crime em alguns
países e, por isso, se eu sou gay e tenho fascinação pelo Oriente Médio, que eu
passe a vida sem conhecê-lo, porque, bueno, gosto de meninas? Você acha que
gays devem levar chibatadas pelo fato de serem gays? Não faz nem um pouco de
sentido.
Minha intenção aqui é só agregar uma única coisa ao debate:
não, a Indonésia não é nenhum tipo de exemplo de correção (e mesmo se fosse,
isso não faria com que as leis de lá fossem inabaláveis pelo simples fato de
serem leis).
Nota da Redação:
Este texto é de autoria de Ana Becker e foi publicado originalmente no site medium.com
em 19 de Janeiro de 2015. Nesta terça-feira, 28/04/2015, o brasileiro Rodrigo
Gularte, de 42 anos, também foi executado na Indonésia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário