Daí que eu tinha um avô. Ok, todo mundo tem um avô; tem
dois, inclusive. Mas eu só conheci um deles, então, é isso: daí que eu tinha um
avô.
Ele me ensinou a jogar truco. Ele me ensinou a jogar tava.
Me fez pegar gosto pela trova, porque era fã do Gildo de Freitas. E era ele
quem me levava nos ensaios do grupo de danças tradicionais do Tio Hito na
Sociedade Esportiva Cachoeirinha. E viu minha primeira apresentação na escolinha de danças do CTG Rancho da Saudade. Também foi ele quem me explicou o
quê era o ‘cavalo crioulo’, ‘numa das vezes que fomos à Expointer.
Pouco antes de morrer – lá em ’92 – ele ‘tava me ensinando a
fazer chimarrão. Ele morreu e eu até hoje não acerto a cevadura de um mate
sequer.
Pois eu acabei dançando no Rancho até os 18 anos, aprendi a
montar, tive cavalos e varei madrugadas jogando truco. Fui até Primeira Prenda.
O quê? Umas quatro vezes?
Só que ele também me apresentou à moda de viola e ao jogo de
escova. Ele contava com orgulho e uma certa melancolia sobre a época em que fez
treinamento de sobrevivência nas praias de Rio Grande, enquanto aguardava
embaraçar pro Rio de Janeiro e de lá ‘pras fileiras de expedicionários na
Itália – fossem quais fossem as reais intenções do Presidente Vargas. A II
Guerra acabou e ele não foi. Depois, em ’61, ele usava sua ‘expertise’ como
sindicalista ‘pra organizar reuniões subversivas e montar uma brigada que
estava pronta a pegar em armas tão logo o Governador Brizola ordenasse. Era a
Legalidade, e se o estado e o país precisavam, ele estaria lá. Na ponta do
lápis, era, sim, um caudilho. Gaúcho bairrista e brasileiro patriota. E nunca
trajou bombachas.
E agora?
Agora o presidente do MTG divulga nota à imprensa dizendo
que, contrário ao que disse o cantor Luiz Marenco – em vídeo deveras curtido e
compartilhado no ‘Feice’, no qual critica a valorização às normas e não aos fatos
– o que vale ‘pra cultuar e divulgar o gauchismo são as regras do Movimento.
Que elas, sim, as regras, garantem a preservação da cultura e o resgate
histórico. Dane-se a tradição oral, dane-se a vivência. Dane-se a realidade.
Dane-se, ainda, o conceito científico de Cultura e de
Indústria Cultural, que agregam e valorizam QUALQUER produção ou costume
adotado por um grupo. (Desculpem-me os irmãos Ramil, desculpe-me o falecido
Lupicínio. Vocês estão fora do escopo de “Cultura Gaúcha” inventado determinado
pelo MTG.)
E digo mais: dane-se o Paixão Côrtes – de quem nem sou grande
fã, inclusive – também conhecido como
‘O-Cara-Que-Começou-Essa-Coisa-Toda-de-Resgate-Da-Cultura-Gaúcha’. Afinal, em
entrevista à ZH, ele mandou o seguinte: "O movimento (tradicionalista)
formalizou e limitou. Não expandiu e não está se renovando no conhecimento
cultural e histórico. Está estabelecendo regras." (ZH Cultura, 14/12/2012)
Aproveitem e ignorem o (simples) fato do termo gaúcho ter
surgido no Prata, como sinônimo de homem valente e bandoleiro, e não nas
coxilhas do Rio Grande do Sul, em meio aos seus ‘valorosos’ habitantes.
De minha parte, DANE-SE O MTG! Danem-se os ‘gaúchos de
revolução farroupilha’. Não vou abandonar meus scarpins, não vou colocar flor
no cabelo ‘pra ser gaúcha'. Vou, sim, continuar batendo pé e exigindo o
reconhecimento factual da História, com suas glórias e vergonhas. Bradar a quem
possa ouvir que tradição não é um amontoado de papéis, mas um conjunto de
valores e convicções. Sem regras. Só com sentimentos.
Irmã
Esse negócio já está virando palhaçada. Até cultura estão querendo enfiar goela abaixo.
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