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domingo, 2 de março de 2014

LEITURA DE DOMINGO

      Herman Hesse
Um só bom e verdadeiro leitor é muito mais do que milhares de leitores superficiais. Assim também são tão pouco importantes os empreendimentos, as vitórias, as realizações de um ditador, de um ladrão, etc., pois todos só se contam pela quantidade e só graças a ela se fizeram.

Cada livro que lemos agita sempre nossa bússola interior. Cada autor nos mostra como o mundo pode ser enfocado sob outros pontos de vista diversos. Aos poucos, vai cessando a oscilação, e a agulha volta a indicar a antiga direção que as tendências de nosso próprio ser lhe davam. Assim acontece sempre comigo, quando faço uma pausa em minhas leituras. 

Podemos ler muito, e um solitário amigo da leitura respeita os livros e o que eles dizem, do mesmo modo como um homem educado respeita os outros homens. Fico às vezes admirado de quanto proveito as leituras nos trazem. Mas, depois, é preciso de novo deixar tudo de lado e, por algum tempo, caminhar pelas florestas, sentir o ar e as flores, as nuvens e o vento e reencontrar aquele tranqüilo ponto, a partir do qual o mundo se nos abre em sua unidade.

Quem no mundo imortal dos livros se sente, por assim dizer, em casa estabelece uma nova relação não só com o conteúdo, mas até com os próprios livros em si mesmos. Hoje em dia, somos obrigados não só a ler livros, mas também a comprá-los. Como velho amigo dos livros e dono de uma não pequena biblioteca, posso assegurar, por experiência própria, que comprar livros não serve apenas para sustentar os livreiros e autores: a posse de livros (não somente a sua leitura) proporciona alegrias especiais e tem até sua moral própria. 

Pode, por exemplo, ser uma verdadeira alegria e um fascinante esporte ficarmos mais astutos, espertos, tenazes, sem quase gastar dinheiro, servindo-nos das edições mais populares e baratas ou de catálogos sempre renovados. Não obstante todas as dificuldades, podemos até fundar uma pequena livraria. 

Já aos que têm maiores posses, é-lhes dado sorver de uma alegria mais refinada, quando procuram a melhor e a mais bela edição de um livro predileto, quando colecionam livros antigos e raros, e quando mandam fazer para seus livros uma encadernação bem cuidada e elegante. Desde a mais minuciosa economia dos vinténs até ao mais alto luxo, abrem-se aqui belos caminhos, todos repletos de alegria.

(do livro "Par ler e guardar", de Hermann Hesse, p. 99/100) 

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