Publicação revela lado humano de Chet Baker
"Funny Valentine", que chega às livrarias 25 anos após sua morte, fala sobre a agressão que mudou sua carreira
Chet Baker cantava Edu Lobo e Antonio Carlos Jobim. Ao piano, João Donato. Mil novecentos e sessenta e seis, Califórnia. Durante algumas semanas, The João Donato Trio featuring Chet Baker se apresentou no clube Trident, na pequena Sausalito, Baía de São Francisco.
Até o dia em que Chet Baker apareceu, atrasado como sempre, mas dessa vez com um lenço sobre a boca ensanguentada. Havia sido espancado, segundo ele por "cinco jovens negros, sem motivo aparente".
Não tocou mais naquela noite nem nas próximas, abortou-se o plano de um disco João Donato/Chet Baker, e a carreira do trompetista demorou para se recuperar.
Como consequência da agressão, acabou removendo todos seus dentes superiores e, quando conseguiu voltar a tocar, já era outro.
"Fiquei chateado, claro --ver aquilo acontecer com uma pessoa bonita, com quem eu trabalhava todos os dias. Ele não podia tocar da mesma maneira depois disso. Então eu o mandei para casa e disse, se cuide", lembra Donato, na biografia "Funny Valentine", do britânico Matthew Ruddick, que conta a história de Chet Baker de um ponto de vista mais humano.
A história da agressão que mudou sua carreira, bem quando mais tinha contato com a música brasileira, é um dos vários pontos da vida de Chet Baker abordados no longo livro. São mais de 800 páginas na versão inglesa da biografia, que também inclui discografia completa e comentada do trompetista.
"Ele exerce um fascínio que se estende para além do jazz", comentou Ruddick, em entrevista à Folha.
"E isso continua a existir, esse fascínio com seu tom frágil de tocar, seu canto delicado. E, claro, com o visual dele --no começo, quando ele era bonito como uma estrela de cinema, e também nos anos mais tarde, quando seu estilo de vida cobrava seu preço."
Com seu toque cristalino, voz romântica e sorriso de Mona Lisa, e sua história tão ligada a drogas, mulheres, carros, prisões, Chet Baker é grande figura cult, que já inspirou tributos, documentários, homenagens, relançamentos de suas centenas de discos, fama em vida e póstuma.
DROGAS
Vinte e cinco anos depois de sua misteriosa morte, ao cair de uma janela de quarto de hotel em Amsterdã, na madrugada de 13 de maio de 1988 --outra história investigada na biografia--, continua um dos nomes que mais atraem interesse no jazz.
Tão famoso por sua longa e intensa relação com a heroína como com a música, o Chet Baker que se revela em "Funny Valentine" é um personagem algo mais humano, com um perfil mais completo e musical que o de sua outra biografia famosa de alguns anos atrás, "No Fundo de um Sonho" (lançada no Brasil pela Companhia das Letras).
"Foi relativamente fácil falar sobre as drogas", disse Ruddick. "Porque James Gavin, autor de 'No Fundo de um Sonho', explorou a questão com profundidade --a ponto de vários músicos com quem falei terem sentido que o livro não focava suficientemente na música. Então, me propus a criar um retrato mais equilibrado de Chet."
Baseado em Hong Kong há oito anos, o autor conta que falou com um total de mais de 150 músicos e amigos do trompetista.
"Comecei a trabalhar no livro quando morava em Londres, estava em contato com o filho de Chet, Paul Baker", conta Ruddick. "Mas infelizmente sua mãe, a terceira mulher de Chet, Carol Baker, decidiu que meu livro poderia atrapalhar seus planos de vender os direitos de imagem de Chet para um produtor de Hollywood fazer um filme", diz.
"Nos anos seguintes, a internet explodiu e tornou minha pesquisa muito mais fácil. Fiz muitas entrevistas por telefone, mas também encontrei pessoalmente com um número de pessoas chave em viagens à Europa e aos Estados Unidos", afirma.
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