Poucos prazeres nesta vida se comparam ao momento em que o
ônibus parte e a poltrona ao seu lado permanece vazia. Talvez o sal deslizando do saleiro sem precisar de uma pancada na mesa ou a visão de uma enorme pilha de cestinhos
verdes na entrada do supermercado, sinalizando que ele está vazio...
Com alguma regularidade, faço uma viagem interestadual de
aproximadamente quatro horas, sem paradas. Para um sujeito sem ambições como eu, quatro horas sentado com um livro, um walkman com carga e rock suficiente para chegar
ao destino, e vez por outra uma soneca, tá tudo bem. Mas uma pessoa só é o suficiente para bagunçar com tudo isso. Principalmente se estiver ao seu lado.
E os tipos presentes nessas viagens são muitos. Na fila, a
gente já pode identificar alguns. Tem a turma do travesseiro, por exemplo.
Chegam, normalmente, com uma mala de mão e na outra um travesseiro enorme. Você se questiona
se está na fila certa, afinal aquela preparação é para uma noite de sono forte,
não para uma viagem de meio período. A primeira atitude dessa gente quando entra
no ônibus é deitar a poltrona até que ela fique completamente na horizontal,
mesmo que elas não sejam feitas para isso. Aliás, as duas poltronas. Uma característica
dessas pessoas é a sorte: nunca senta ninguém ao lado deles. Acho que é o medo do
ronco e da baba.
Tem a turma esganada. Entram com um x-burger de calabresa
(mesmo em viagens às 8h da manhã), um copo de café (pobre adora café), uma garrafa
de 600ml de fanta (pobre gosta de refrigerante colorido, e já fez as contas,
sabe que comprar a garrafa de 600 “vem mais e é um pouco mais caro só do que a
latinha”) e pipoca doce. Comem aquilo tudo empesteando o ar com cheiros e grunhidos.
Dormem também. Mas acordam em seguida e lembram que compraram “um salgado” e “bolachinhas
recheadas”, caso tivessem uma fome alarmante no meio da viagem. É o caso de
novo. E tem outra garrafa de 600ml de fanta. É claro que usarão o banheiro
do ônibus em breve. Não vou entrar nesses detalhes. E são muitos.
Uma turma que viaja bastante são os inocentes. Normalmente, são avós com os netos. Esquecem de coisas como, por exemplo, a identidade e a
autorização do juizado de menores para a viagem. Muitas vezes, esquecem até da
passagem. Mas sempre conseguem lugar no ônibus. Impressionante! E claro que
sempre tem a sacolinha de rango pro netinho.
O meticuloso. Dá para ver que já sai de casa com a passagem
e a identidade separadas no bolso. Sobe muito sério, senta sempre no meio do
ônibus, corredor. Antes de sentar, tira na bolsa o jornal do dia, a revista da
semana, o livro do mês, um fone de ouvido sintonizado em uma rádio local e um
DVD no notebook devidamente conectado à internet. Checa tudo novamente e arruma
a sacola no porta-objetos sobre sua cabeça como se fosse um filho que
precisasse de carinho antes de dormir. É o único do ônibus que usa o cinto de
segurança.
Os tipos são vários. Como diz Luis Fernando Veríssimo: ´”mais
variado que baldeação em Cacequi”.
Cacequi é bobagem perto do 'Emabaixador'; única linha que atende Piratini, via Canguçu. Um deleite.
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