Ednardo reencontra o seu pessoal
Alexis Peixoto - Tribuna do Norte
O cantor e compositor cearense Ednardo é um criador de obra
atemporal. Iniciando a carreira nos anos 1970, ao lado de Belchior, Fagner e
Amelinha no grupo que ficou conhecido como o Pessoal do Ceará, Ednardo conheceu
o sucesso quando sua música “Pavão Mysteriozo” foi escolhida como o tema de
abertura da novela Saramandaia, da rede Globo, em 1976. A música, regravada
mais de 50 vezes, inclusive em outros idiomas, é a única faixa da trilha sonora
original a ser incluída na nova versão da novela, que a Globo transmite
atualmente. Televisão à parte, Ednardo também escreveu para o cinema – fez a
trilha dos filmes “Luzia Homem”, de Fábio Barreto; “Tigipió” e “O Calor da
Pele”, ambos de Pedro Jorge de Castro -
e deu sua contribuição para borrar os limites entre a música regional e
o pop inteligente em discos como “O Azul e o Encarnado” (1977), “Terra da Luz”
(1982) e “Libertree” (1985).
Atualmente, o cantor
prepara um show especial na Praça Verde do Centro Cultural Dragão do Mar, em
Fortaleza, no dia 27 de julho, para comemorar 40 anos de carreira e do
lançamento do disco “Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem”, trabalho
coletivo que inscreveu o Pessoal do Ceará na história da música brasileira.
Falando por telefone direto do Rio de Janeiro, Ednardo conversou com o VIVER
sobre as comemorações das suas quatro décadas de música, a influência do cinema
em suas canções e os muitos significados por trás de “Pavão Mysteriozo”.
Você está preparando
um show comemorativo dos seus quarenta anos de carreira e do lançamento do
disco Meu Corpo Minha Embalagem Todo
Gasto na Viagem, do Pessoal do Ceará. Como é revisitar essas canções, quatro
décadas depois?
Para mim, é um
momento de celebração maravilhoso. Mas assim, sem aquela coisa saudosista.
Vamos apresentar novos arranjos para as canções, não é aquela coisa puramente
nostálgica, entende? O show vai ter participação do meu grande parceiro Chico
César, vai ser uma festa. Vamos gravar um DVD também, registrar tudo nas
câmeras. E é legal porque esse disco é muito importante. Foi o primeiro em que
a gente chamou atenção e tal, muito embora a gente já fizesse música bem antes
disso.
Na nova versão da
novela Saramandaia, sua música “Pavão Mysteriozo” foi a única a permanecer da
trilha sonora original. Como é que você recebeu a notícia?
Pois é, foi uma
surpresa e tanto para mim. Como era uma nova versão da novela, eu achei que
eles iam mudar tudo, mas mantiveram “Pavão Mysteriozo” na trilha. E com o
arranjo original da época, inclusive. Para mim, é uma alegria imensa. Aliás,
essa música só tem me dado alegria ao longo dos anos. E é engraçado que quando a música entrou na
Saramandaia original eu só fiquei sabendo depois.
Sério?
Pois é. Era o dia da
estreia de Saramandaia na Globo e eu estava em Fortaleza, tinha ido fazer um
show lá. Aí, fui tomar um banho e deixei a tevê ligada. Quando começa a
novela... Tá lá a minha música na abertura (risos). Foi um choque e tanto.
Essa música já foi
regravada várias vezes, inclusive fora do
país. Na tua opinião, o que
“Pavão Mysteriozo” tem que fascina tanta gente até hoje?
Cara, se eu soubesse
essa resposta, eu te diria (risos). O que acontece é que, quando você faz uma
música, a partir do momento em que as pessoas ouvem, ela passa a ter vários
significados. O público se apodera, cada um que ouve entende uma coisa
diferente. Na época, eu escrevi essa música inspirado em um romance de cordel
que contava a história de um sujeito que, para encontrar a namorada que morava
no alto de um castelo, constrói um mecanismo de voo. Era o período da ditadura
e eu pensei: “Quem é a namorada que o Brasil inteiro quer ter?”. E era a
liberdade, né? A música fazia referência a isso, ao momento que o país passava.
Mas, como eu falei, depois de pronta a música deixa de te pertencer e passa a
ter uma alma coletiva, a ter vários significados.
Tem até uma história
que os índios do Xingu usam essa música nos rituais...
Ah, isso quem me
contou foi a [jornalista e escritora] Ana Maria Bahiana, durante uma
entrevista. Ela fez uma viagem pelo Alto Xingu, acompanhando o [compositor e
multi-instrumentista] Egberto Gismonti e lá eles presenciaram um ritual
indígena, que os índios chamam de Quarup. É um rito em que eles honram os
antepassados com música e dança. Aí, antes de começar, os índios colocaram a
música “Pavão Mysteriozo”. A Ana Maria me contou isso em 1976, eu acho. Foi bem
na época que a música tava estourando. E, claro eu fiquei muito surpreso e ao
mesmo tempo fascinado com isso. Até hoje me pergunto como é que essa música
conseguiu chegar até os índios.
A tua carreira também
tem uma relação forte com o cinema, você inclusive já compôs algumas trilhas
sonoras. Qual é a importância do cinema na tua formação como artista?
Ah, o cinema para mim
é uma coisa assim... Mágica, fascinante. Quando eu era garoto, o cinema era a
minha maior diversão. Eu frequentava o Cine Arte, em Fortaleza. Às vezes, eu
saia de casa e via vários filmes no mesmo dia. Quando eu comecei a tocar, botei
na cabeça que queria fazer música para cinema. Gostava daquelas trilhas sonoras
clássicas de Hollywood, dos filmes europeus também. Acabei fazendo umas três ou
quatro trilhas para cinema. E até hoje, é algo que me influencia. Tem algumas
composições minhas que têm, assim, uma atmosfera mais de cinema.
Passados quarenta
anos, você vê influência da sua música ou do Pessoal do Ceará na geração atual?
É meio complicado
falar disso, né? Mas aqui e ali, eu vejo alguém citando uma música minha, em
entrevistas. Alguns são amigos e parceiros, como o Chico César, o Zeca Baleiro.
Da geração mais nova? Acredito que deve ter alguma correspondência, alguma
citação do que a gente fez lá atrás, sim. Mas não saberia dizer exatamente
onde, nem o quê.
Você acompanha a
produção da geração nova?
Claro, estou sempre ligado. Toda semana tem coisa chegando: pelo correio, pela internet, por e-mail, Facebook. Hoje em dia tem muita informação disponível e muita coisa legal sendo feita. Eu fico feliz das pessoas lembrarem de mim, mandarem para que eu ouça.
E os próximos projetos?
Alguma chance de um disco novo de inéditas?
Uma coisa de cada vez, né? (risos). Depois dessa apresentação em Fortaleza, vamos fazer uma sequência de shows para divulgar esse trabalho. Acredito que essa vai ser a prioridade. Mas eu tenho um disco de inéditas já pronto. Acredito que devo lançar até o final do ano. E nesse show de agora, em Fortaleza, eu devo incluir uma ou duas músicas inéditas, para ver como é que elas funcionam. Vamos ver, né? (risos).
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