O Começo da Briga
- O senhor foi intimidado a depor sobre a violenta briga
acontecida ontem no seu armazém, no Iguariaçá. Três mortos, oito feridos, um
horror...
- No meu bolicho, seu delegado. Quem sou eu pra ter armazém?
Armazém é do Turco Salim, que foi mascate. Por sinal que...
- Não desvie do assunto. Como e por que começou a briga?
- Bueno, pois historiemo a coisa. Domingo, como o senhor
sabe, o meu bolichote fica de gente que nem corvo em carniça de vaca atolada. O
doutor entende: peonada no más, loucos por um trago, por uma charla sobre
china. A minha canha é da pura, não batizo com água de poço como o Turco Salim.
Que por sinal...
- Continue, continue. Deixe o turco em paz.
- Pois então bamo reto que nem goela de joão-grande. Tavam
uns quinze home tomando umas que outras, uns mascando salame pra enganar o
bucho, quando chegou o Faca Feia. O senhor sabe, o índio é mais metido que dedo
em nariz de piá. Deu um planchaço de adaga no balcão e perguntou se havia home
no bolicho. Todo mundo coçou as bola. Home tem bola, o senhor sabe. O Lautério
- que não é flor de cheirar com pouca venta - disse que era com ele mesmo, deu
de mão numa tranca e rachou a cabeça do Faca Feia. Um contraparente do Faca não
gostou do brinquedo e sentou a argola do mango no Lautério, pegou no olho - lá
nele - e o Lautério saiu ganindo como cusco que levou água fervendo pelo lombo.
Um amigo do Lautério se botou no contraparente do Faca - que já tava batendo
perninha - e enfiou um palmo e meio de ferro branco no suvaco do cujo, que o
chamam de Pé de Sarna. O irmão do Sarna, acho que chateado com aquilo, pegou um
peso de cinco quilos da balança e achatou a cabeça do homem que faqueou o
Sarna. Os óio saltaram, seu doutor. E eu só olhando, achando tudo aquilo um
tempo perdido. Um primo do homem do ferro branco rebuscou um machado no galpão
e golpeou o irmão do Sarna. Errou a cabeça, e só conseguiu atorar um braço do
vivente. Aí eu fui ficando nervoso, puxei meu berro pro mole da barriga, pronto
pra um quero. Meu bolicho é casa de respeito, seu delegado, e a brincadeira já
tava ficando pesada. Mas bueno, foi entonces que o Miguelão se alevantou do
banco, palmeou uma carneadeira, chegou por trás do homem do machado, pé que te
pé, grudou ele pelas melena e degolou o vivente num talho que foi a coisa mais
linda. O sangue jorrou longe como mijada de colhudo. Aí eu e mais uns outros -
tudo home de respeito - se arrevoltemo com aquilo. Brinquedo tem hora, o senhor
não acha?
- Acho, sim. Mas e aí?
- Pois é, como lhe disse, nós se arrevoltemo. Saqueamo os
talher. E foi aí que começou a briga...
Rapa de Tacho - Causos Gauchescos - Apparicio Silva Rillo - 1982
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