por Srdjan Spasojevic
A Serbian Film - Terror sem Limites, filme que escrevi e
dirigi, conta a história de um ator pornô em decadência econômica. Para narrar
a trajetória dele, usei cenas de estupro, pedofilia, violência. No entanto, nem
todo mundo que assistiu ao filme viu essas cenas. Em vários países a obra teve
trechos censurados - só na Inglaterra foram 49 cortes, pedidos pelo conselho
responsável pela classificação indicativa de cinema no país. Na Noruega e na
Espanha, o filme inteiro foi proibido, por decisões judiciais. No Brasil, ele
também está atualmente vetado.
Vários países, incluindo o Brasil, barraram meu filme,
alegando que cenas chocantes não devem ser exibidas. O que eles não entendem é
que essa é a forma que encontrei de mostrar a realidade ao público.
As autoridades que impuseram os cortes dizem que as cenas
são chocantes. Mas elas estão lá por um motivo: mostrar abertamente os
problemas ao nosso redor. A proposta do filme é retratar o que sinto sobre o
meu país, a Sérvia, e o que passamos nos últimos 20 anos: guerra, agitação
política, um pesadelo econômico. Na verdade, o mundo inteiro tem passado por
questões como essas. Por isso, a história busca representar mazelas também
presentes em outros países para que qualquer espectador se identifique com o
que está na tela.
As cenas consideradas controversas têm papel importante
nessa missão. Meu objetivo com elas era fazer o público encarar diretamente os
problemas do mundo, sem chance de ignorá-los. E fazê-lo perceber que, em um
mundo politicamente correto, humilhações e violações de direitos acontecem
constantemente - e isso não é problema só dos outros.
A pornografia, a crueldade e a violência que incluí no filme
não devem ser encaradas como entretenimento. Nem apreciadas por si só. Mas elas
têm, sim, uma finalidade dramatúrgica essencial para que eu possa expressar o
que quero com o filme. Ainda assim, foram cortadas - em nome do tal
politicamente correto, que esconde as sujeiras do mundo. Mas o que há de
correto em cortar e proibir nossas manifestações? Ao longo da história,
diversos filmes inicialmente rotulados como "impróprios" acabaram se
tornando clássicos. Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, e O Exorcista, de
William Friedkin, são ótimos exemplos disso.
Claro que existe um limite para a exibição. Fui o primeiro a
dizer que meu filme não deveria ser visto por menores de 18 anos. Mas quem tem
o direito de escolher o que deve ou não ser exibido a maiores? Haverá no mundo
alguma comissão de pessoas brilhantes capazes de tomar essa decisão por todos
os outros? Isso não passa de utopia. Se continuarmos proibindo filmes,
estimularemos a autocensura praticada por autores, diretores e produtores. E
ainda correremos o risco de ficar apenas com filmes politicamente corretos.
Nota da Redação: Srdjan Spasojevic é cineasta e diretor de A Serbian Film -
Terror sem Limites. Este texto foi publicado no Brasil na revista Superinteressante em setembro de 2011. O filme foi exibido na Muileal em uma das edições do FantasPOA. Em julho de 2012, foi liberado. Ninguém da redação do TOA assistiu ao filme. O texto está aqui por conta do nosso interesse na discussão a respeito do "politicamente correto".
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