No início dos anos 1930, Noel Rosa ouviu um samba chamado
Lenço no Pescoço, gravado por Silvio Caldas. A canção era uma lavada exaltação
à malandragem, com versos como Eu passo
gingando / Provoco e desafio / Eu tenho orgulho de ser tão vadio.
Apesar de várias de suas composições se mostrarem simpáticas
aos malandros, resolveu responder ao compositor, o jovem e então desconhecido
Wilson Batista. Mas musicalmente. Nascia Rapaz Folgado, em que clama ao autor
que compre sapato e gravata e deixe de lado a vida boa. O que poderia parecer
apenas um "chega pra lá" a um iniciante tinha, na verdade, outra
motivação: o aspirante havia se envolvido com Juraci Correia de Morais, ou
Ceci, o maior e mais conturbado amor da vida de Noel.
Wilson, que de besta não tinha nada, viu na polêmica um
atalho para o sucesso. Compôs então Mocinho da Vila: Injusto é seu comentário / Fala de malandro quem é otário.
E Noel decidiu dar um basta. Escreveu a definitiva Feitiço da Vila: Lá, em Vila Isabel / Quem é
bacharel / Não tem medo de bamba / São Paulo dá café / Minas dá leite / E a
Vila Isabel dá samba. Acreditava que assim calaria de vez o adversário.
Estava enganado.
O incansável Wilson compôs Conversa Fiada, obrigando Noel a
replicar com a desmoralizante Palpite Infeliz: Pra que ligar a quem não sabe / Aonde tem o seu nariz? / Quem é você
que não sabe o que diz?
E
Wilson perdeu as estribeiras. Emendou a nada sutil Frankenstein da Vila, em
alusão ao defeito que Noel tinha no queixo: Entre
os feios és o primeiro da fila / Todos reconhecem lá na Vila / Essa indireta é
contigo.
Com ALMANAQUE BRASIL
Feitiço da Vila
Noel Rosa
Quem nasce lá na Vila
Nem sequer vacila
Ao abraçar o samba
Que faz dançar os
galhos,
Do arvoredo e faz a
lua,
Nascer mais cedo.
Lá, em Vila Isabel,
Quem é bacharel
Não tem medo de
bamba.
São Paulo dá café,
Minas dá leite,
E a Vila Isabel dá
samba.
A vila tem um feitiço sem farofa
Sem vela e sem vintém
Que nos faz bem
Tendo nome de
princesa
Transformou o samba
Num feitiço descente
Que prende a gente
O sol da Vila é triste
Samba não assiste
Porque a gente
implora:
"Sol, pelo amor
de Deus,
não vem agora
que as morenas
vão logo embora
Eu sei tudo o que faço
sei por onde passo
paixao nao me
aniquila
Mas, tenho que dizer,
modéstia à parte,
meus senhores,
Eu sou da Vila!
Palpite Infeliz
Noel Rosa
Quem é você que não sabe o que diz?
Meu Deus do Céu, que
palpite infeliz!
Salve Estácio,
Salgueiro, Mangueira,
Oswaldo Cruz e Matriz
Que sempre souberam
muito bem
Que a Vila Não quer
abafar ninguém,
Só quer mostrar que
faz samba também
Fazer poema lá na Vila é um brinquedo
Ao som do samba dança
até o arvoredo
Eu já chamei você pra
ver
Você não viu porque
não quis
Quem é você que não
sabe o que diz?
A Vila é uma cidade independente
Que tira samba mas
não quer tirar patente
Pra que ligar a quem
não sabe
Aonde tem o seu
nariz?
Quem é você que não sabe o que diz?
Nenhum comentário:
Postar um comentário