"Eu, naquele inverno, estava tomado de furores
abstratos. Não direi quais, não é isso que me proponho a contar. Mas é preciso
dizer que eram abstratos, nada heróicos, nem vivos; de qualquer maneira,
furores pelo gênero humano perdido. Vinha assim há muito tempo, e andava
cabisbaixo. Via manchetes nos jornais sensacionalistas e abaixava a cabeça;
estava com os amigos, uma hora, duas horas e ficava com eles sem abrir a boca;
abaixava a cabeça; e tinha uma moça ou uma mulher que me esperava, mas nem com
ela eu trocava uma palavra, mesmo com ela eu abaixava a cabeça. Chovia o tempo
todo, passavam-se os dias, os meses, e eu tinha os sapatos furados, a água me
entrando nos sapatos, e não era mais nada que isso: chuva, carnificinas nas
manchetes dos jornais, e água nos meus sapatos furados, amigos mudos, a vida em
mim como um sonho surdo, e não-esperança, calmaria."
Conversa na Sicília - Elio Vittorini - 1941
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