Prêmio Nobel de
literatura, o peruano Mario Vargas Llosa fala sobre a importância cultural do
erotismo e o perigoso vazio das redes sociais
17 de março de 2013 | 2h 11
Joaquim Sarmiento/Reuters
Llosa: Em defesa do Estado
laico com liberdade religiosa |
"Se tivesse que salvar do fogo apenas um de
meus romances, salvaria Conversa no Catedral." Anos depois de dizer essa
frase, o escritor Mario Vargas Llosa garante que a mantém viva. Considerado um
de seus principais livros, traz o retrato do Peru durante a ditadura dos anos
1950 a partir de Zavalita, jornalista que prefere a omissão a compactuar com os
políticos. Colaborador do Estado, Llosa virá a São Paulo em abril para o
Fronteiras do Pensamento e falou por telefone com o repórter na sexta-feira,
desde Lima, sobre a obra agora relançada pela Alfaguara.
Quais lembranças o senhor guarda do
romance?
O romance me faz lembrar uma história interessante.
Quando foi publicado, em 1969, passou despercebido pela crítica e público - só
era lembrado de forma negativa, por conta de sua estrutura narrativa. Só com o
tempo, foi ganhando leitores e, curiosamente, hoje é um dos meus livros mais
conhecidos. Venceu a prova do tempo.
No texto escrito especialmente para o
'Estado', o crítico Carlos Granés faz uma pergunta que repasso ao senhor: que
papel têm as crenças e a moral na vida humana?
É um tema atual. Um dos grandes problemas do nosso tempo é a corrupção, que afeta por igual países ricos e em desenvolvimento, democracias e ditaduras. Há um desrespeito generalizado da ética, o que provoca delinquência, especialmente na política. Isso não acontecia antes. É o que explica como governos, embora imundos e apoiados pelo narcotráfico, algumas vezes contam com apoio da população, que acredita ser assim a política. É uma atitude cínica frente ao poder, o que explica o desaparecimento da censura social ao delito. Esse é o tema central de Conversa no Catedral.
É um tema atual. Um dos grandes problemas do nosso tempo é a corrupção, que afeta por igual países ricos e em desenvolvimento, democracias e ditaduras. Há um desrespeito generalizado da ética, o que provoca delinquência, especialmente na política. Isso não acontecia antes. É o que explica como governos, embora imundos e apoiados pelo narcotráfico, algumas vezes contam com apoio da população, que acredita ser assim a política. É uma atitude cínica frente ao poder, o que explica o desaparecimento da censura social ao delito. Esse é o tema central de Conversa no Catedral.
Outro detalhe importante do livro é
seu personagem principal, Zavalita, que parece ser único em sua obra, não?
Sem dúvida. Zavalita é mais passivo, menos lutador, mas um personagem épico. Há uma frase vulgar no livro que o define bem: "Quem não se f..., f... os demais". Ele não quer triunfar, pois, no país em que vive, só progride quem prejudica os outros. Prefere ser vítima. Assim, embora ético, é um homem medíocre por opção e ele se destaca, sim, no contexto de meus personagens, mas é uma forma que encontrei para protestar contra a delinquência mundial.
Sem dúvida. Zavalita é mais passivo, menos lutador, mas um personagem épico. Há uma frase vulgar no livro que o define bem: "Quem não se f..., f... os demais". Ele não quer triunfar, pois, no país em que vive, só progride quem prejudica os outros. Prefere ser vítima. Assim, embora ético, é um homem medíocre por opção e ele se destaca, sim, no contexto de meus personagens, mas é uma forma que encontrei para protestar contra a delinquência mundial.
A dificuldade de entendimento que o
romance enfrentou na época de seu lançamento me fez lembrar outro livro seu, A
Civilização do Espetáculo, que sairá no Brasil em outubro, no qual o senhor
elogia obras que exigem do leitor um esforço tão grande como o desprendido pelo
autor.
É um livro para leitores ativos, participativos,
pois existe na trama uma obscuridade que reflete uma sociedade onde tudo é
turvo, opaco. Procurei descrever aqui o impacto provocado pela ditadura em
minha geração. Quando o general Odría deu o golpe de Estado, em 1948, éramos
crianças e, quando ele deixou o poder, oito anos depois, já éramos adultos. Ou
seja, passamos a adolescência em uma sociedade vertical, sem partidos políticos
ou imprensa livre, além do medo instalado na população, com policiais cercando
universidades. Era esse momento que tentei descrever no romance: mostrar como
uma ditadura não estava confinada na política, mas que degradava a vida das
famílias.
O efeito pernicioso avançou no tempo
e chegou aos nossos dias, quando é cada vez mais escassa a figura do
intelectual, concorda?
Totalmente. Esse é outro fenômeno inquietante de nossa época. O desaparecimento do intelectual significa também o desaparecimento das ideias e da razão como um fator central da vida social e política. Hoje em dia, as ideias foram trocadas pelas imagens, que são mais facilmente manipuláveis. Isso é uma grande ameaça para a democracia, pois uma sociedade com escassez de ideias tem suas instituições sob forte risco.
Totalmente. Esse é outro fenômeno inquietante de nossa época. O desaparecimento do intelectual significa também o desaparecimento das ideias e da razão como um fator central da vida social e política. Hoje em dia, as ideias foram trocadas pelas imagens, que são mais facilmente manipuláveis. Isso é uma grande ameaça para a democracia, pois uma sociedade com escassez de ideias tem suas instituições sob forte risco.
O que o senhor pensa sobre o poder
das redes sociais?
Por um lado, há um aspecto positivo, pois as redes
sociais aumentaram o poder da comunicação e da informação. Também dificultam a
instauração da censura, como acontecia na América Latina há 40 anos - as redes
sociais rompem qualquer controle. Por outro lado, o excesso de informação leva
à confusão. Parece que vivemos em um bosque confuso onde não sabemos como nos
orientar com segurança. Isso porque hoje em dia praticamente desapareceu uma
instituição que, no passado, cumpria uma importante função na vida cultural e
política: a crítica. Nas redes sociais, não há uma valoração da informação
seguindo hierarquia tradicional, que distingue o essencial do secundário. Daí a
confusão a que me referi antes.
E qual seria, nesse caso, a função da
religião? O senhor sempre defendeu uma vida espiritual plena, mas sem nenhuma
identificação com o Estado, certo?
As religiões, sem exceção, são intolerantes, pois
trazem verdades absolutas, o que não combina com o espírito democrático. Ao
mesmo tempo, uma democracia sem uma vida espiritual se converte em uma selva,
como já disse Isaiah Berlin, em que os lobos comem todos os cordeiros. E, para
que a cobiça e ambição material não regulem a vida, é preciso alimentar a vida
espiritual. Mas o Estado não pode se identificar com qualquer religião - a
história é pródiga em exemplos nefastos como perseguições, intolerância,
inquisição. É importante ter um Estado laico com liberdade religiosa.
O que o senhor espera do novo papa,
Francisco?
Espero que inicie o processo de modernização da
Igreja, libertando-a de anacronismos como não tratar de temas como sexo e
mulher. Caso contrário, vai continuar perdendo audiência. Os problemas com
pedofilia que quase destruíram a Igreja nasceram dessa intolerância ao sexo. E
Francisco parece ser moderno, com atitudes mais congregacionais.
Por falar em sexo, no livro A
Civilização do Espetáculo, o senhor defende o erotismo como obra de arte.
Sim, o erotismo é resultado da cultura que,
vinculado ao sexo, é transformado em uma atividade criativa. O erotismo é uma
manifestação das civilizações e acontece em sociedades que alcançaram um certo
nível de progresso humano. Por isso que cito muito Georges Bataille, defensor
desse pensamento: ele sempre foi muito reticente à permissividade total,
responsável por matar as formas, o que levaria o homem a retornar à uma espécie
de sexo primitivo, selvagem. Infelizmente, isso ainda acontece em nosso tempo.
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