O rosto na multidão
Carlos Heitor Cony
Tudo bem, cada um se diverte e se glorifica como quer. A mania agora é fuçar fotos do passado, sobretudo as das passeatas de 1968, documentadas à farta pelos bons profissionais do ramo. Apesar de farta, a oferta foi menor do que a procura, não deu para todo mundo deixar registro na história nacional. Mesmo assim, descontando os que morreram por isso ou por aquilo, é difícil encontrar um cidadão maior de 40 anos que não tenha dado sua contribuição heroica à luta contra a ditadura.
Parece um pouco com o caso dos figurantes dos filmes do Glauber. Volta e meia esbarro com um cara que garante ter feito figuração em tal filme - e, neste particular, minha glória particular é ter tido um irmão que, sem querer, fez figuração num filme de Hitchcock (“Notorius”) que tem cenas passadas aqui no Rio. Cary Grant e Ingrid Bergman estão sentados na Cinelândia, tomando coco por canudinho, ali mesmo no Amarelinho, gente passando pra lá e pra cá. De repente, surge meu irmão, que estava indo para a Faculdade de Medicina, tomava o bonde ali perto, no Tabuleiro da Baiana. A cena é rápida, mas deu para consagrar a família.Bem verdade que o Janio de Freitas e o Ruy Castro viram o filme 247 vezes para me desmentirem, mas, nos fastos familiares, ninguém nos tira essa glória.
Voltando às fotos da passeata. Não me procuro entre os heróis daquele tempo. Não participei de nenhuma delas, metade por preguiça, metade por ser militante do único partido que me interessa, o do “Eu Sozinho”.
Quando chegar ao inferno (este dia não está tão longe assim), pedirei a Satanás um único favor: o de me dar uns gravetinhos e uma caixinha de fósforos para fazer a minha fogueirinha particular, onde purgarei meus pecados. Sozinho e mal-acompanhado.
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