Imagine reunir numa mesma banda músicos de orientações tão diversas, como o bruxo dos mil instrumentos Hermeto Pascoal, o herói da guitarra pós-tropicalista Lanny Gordin, o bossanovista Cido Bianchi (ex-pianista do Jongo Trio e do Milton Banana Trio), o violonista Olmir Alemão Stocker (autor de O Caderninho, hit da geração jovem guarda) e o jazzista Nilson da Matta (contrabaixista que hoje vive nos EUA). Esse encontro inusitado aconteceu mesmo, mais exatamente em 1968. Marca um capítulo pouco conhecido da história da nossa música instrumental, intitulado Brazilian Octopus, e resultou num álbum homônimo ouvir 30s que hoje é disputado por colecionadores. "Sem dúvida, o grupo mais estranho surgido na música brasileira", comenta Marcelo Dolabela, em seu dicionário ABZ do Rock Brasileiro (ed. Estrela do Sul, 1987).
"Naquela época,
não pensávamos em grana, só queríamos tocar. Foi uma experiência
maravilhosa", recorda Cido Bianchi, hoje também maestro e arranjador. O
Brazilian Octopus foi formado em São Paulo, no início de 1968, por iniciativa
de Lívio Rangan, o todo-poderoso diretor de eventos da Rhodia - empresa da área
têxtil que produzia arrojados shows-desfiles para promover seus produtos.
"O Lívio gostava muito de mim. Chegou a dizer que ia me transformar em um
novo Sérgio Mendes", conta o músico paulista, encarregado por Rangan de
coordenar o grupo.
Rangan formou o
Brazilian Octopus para executar ao vivo a trilha sonora do Momento 68, o mais
ambicioso dos espetáculos institucionais da Rhodia produzidos até então no
país. Com direção musical do maestro Rogério Duprat e direção cênica de Ademar
Guerra, esse show-desfile tinha os atores Raul Cortês e Walmor Chagas
encabeçando o elenco, ao lado dos cantores Gilberto Gil, Caetano Veloso, Eliana
Pitman e do bailarino Lennie Dale. Os textos eram assinados por Millôr
Fernandes. "Eu me fantasiei de leão várias vezes naqueles desfiles da
Rhodia. O grupo todo se vestia de bicho e tocava dentro de uma jaula",
lembra Hermeto, que veio a substituir Cazé, alguns meses depois, junto com
Nilson da Matta, que assumiu o contrabaixo. Apesar de suas trajetórias diversas,
quase todos os integrantes do grupo já se conheciam da noite paulistana,
especialmente da boate Stardust (dirigida pelo pai de Lanny), onde Hermeto,
Bianchi e Alemão tocavam com freqüência.
Não foi diferente quando, após alguns meses de ensaio, o diretor de eventos da Rhodia propôs ao octeto a gravação de um disco. "A idéia do Lívio Rangan era que a gente incluísse no repertório algumas músicas mais comerciais, para tocar no rádio", recorda Alemão, encarregado por ele de contactar compositores com os quais já havia trabalhado. "Consegui várias músicas inéditas, que o Cido Bianchi, interessado apenas em tocar jazz, recusou. Uma delas era País Tropical, do Jorge Ben", alfineta o violonista.
"Mesmo quando
tínhamos que tocar músicas italianas e francesas do repertório da Rhodia, nós
não brincávamos, tocávamos sempre bonito. Esse trabalho influenciou muita coisa
que eu faço até hoje. É por isso que eu acho que a música é universal. Todo
mundo tem influência de todo mundo", diz Hermeto, que assumiu a tarefa de
coordenar os arranjos coletivos, depois de alguns desentendimentos entre os
músicos. Ele compôs também dois temas, que aparecem entre as 12 faixas do hoje
raríssimo LP Brazilian Octopus (editado pela Fermata, em 1969): Rhodosando e
Chayê, fusões de música pop com o ritmo cubano do chá-chá-chá. "Para
compor essas músicas, inspirei-me nas modelos e nos rapazes que desfilavam para
a Rhodia. Eu era músico da noite naquela época e já tocava de tudo",
lembra o compositor alagoano.
Outros integrantes do
grupo também contribuíram com composições próprias: Alemão (Canção Latina,
parceria original com Vitor Martins, que já tinha conquistado o segundo lugar
no Festival Internacional da Canção do México), Pegoraro (a jazzística
Summerhill) e Lanny (a singela O Pássaro). A gravação desta última, por sinal,
acabou provocando um bate-boca no estúdio entre Hermeto e os técnicos de som.
"Como essa música tinha uma linha melódica repetitiva, ele escreveu um
contracanto tocado por duas flautas, para variar um pouco. Só que, na hora da
mixagem, o contracanto tinha sumido da gravação. O Hermeto ficou tão bravo que
queria pegar o técnico", diverte-se o saxofonista Carlos Alberto,
lembrando também que o bruxo de Lagoa da Canoa não aparece na capa do disco
porque não pôde comparecer à sessão de fotos. Um funcionário da agência de
propaganda Standard, que gerenciava a conta da Rhodia, foi fotografado ao
piano. Assim como um velhinho, um cachorro e uma criança, que não tinham nada a
ver com a gravação mas aparecem na capa. A sessão de fotos foi realizada num
terreno descampado, cuja aridez lembrava a superfície da Lua - referência à
então badalada corrida espacial entre os Estados Unidos e a União Soviética.
Produzido por Mário Albanese e Fausto Canova, o álbum do Brazilian Octopus inclui ainda arranjos das conhecidas Casa Forte (de Edu Lobo), Pavane (Gabriel Fauré), Canção de Fim de Tarde (dos bossa-novistas Walter Santos e Thereza Souza), Gosto de Ser Como Sou e Gamboa (ambas de Mário Albanese e Ciro Pereira), que exploravam uma característica sonoridade produzida pelas flautas com o vibrafone, o órgão e as guitarras. "Nunca recebemos um tostão por esse disco. Parece que ele foi lançado na Europa, onde fez até um certo sucesso", diz Carlos Alberto, lembrando que os integrantes do Brazilian Octopus chegaram a procurar a diretoria da Fermata, para tirar satisfações sobre a vendagem do álbum. Em vez de cheques, receberam apenas elogios e um convite para gravar outro disco. Como imaginaram que não receberiam nada novamente, recusaram. Terminou ali o inusitado octeto.
Três décadas depois ,
Hermeto Pascoal não se surpreende, nem mesmo se incomoda, ao saber que cópias
domésticas do único álbum do Brazilian Octopus vêm circulando no formato CD, em
São Paulo. "Se a gravadora não se interessa em fazer o CD, essas pessoas
têm que copiar mesmo. É o único jeito que o público tem de ouvir a nossa
música", referenda um dos pais dessa raridade da MPB instrumental dos anos
60.
Carlos Calado, no site UOL
Conferimos abaixo a faixa 6 - Momento B8.
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